Foto: Imagem Filmes / Já Estou Com Saudades / Divulgação |
Este é um daqueles filmes que aborda temas difíceis de maneira delicada, fala sobre a amizade, família, e o tão evitado fim da vida. O adoecimento muitas vezes é inexorável. A noção de que muitas coisas fogem do nosso controle é brutal para alguns. Muitas pessoas não sabem como reagir frente a uma situação de cuidados paliativos. Quando uma pessoa que você ama adoece, qual é o papel que te cabe? O filme "Já Estou Com Saudades” (2015) nos possibilita um pequeno recorte da situação que muitas pessoas passam diariamente, tanto em relação ao adoecer quanto ao cuidar.
Considero o enredo divertido por contar a história de duas amigas de infância, quase irmãs. A amizade se inicia já no primeiro dia de aula, a partir daí elas crescem juntas, passam por todas as fases da vida, uma sendo testemunha e cúmplice da história da outra, desde os dias de solteirice ao nascimento dos filhos de Milly. Naturalmente, na vida adulta cada uma tem seu momento, suas ambições, sua vida para cuidar, o que impossibilita aquele grude da adolescência, mas elas seguem fiéis uma a outra até que o adoecimento, intruso que é, se instala sem convite na vida de Milly.
A partir deste momento, tudo passa muito rápido. Assim como na vida real, o adoecimento grave não pede licença, não elege merecedores, não dá tempo para adaptações. O câncer de mama não afeta somente a autoestima, mas também: a família, os planos, o trabalho, seu lugar no mundo, a sexualidade, a relação com a vida, com os amigos, com a fé, com alimentação, com aquilo que é importante. Torna-se tema central da vida mesmo quando você não quer saber.
Sendo assim, passa a ser parte desta amizade entre Milly e Jess o contato próximo com os meios de saúde, o acompanhamento da deterioração física, emocional, familiar e a exigência de suportar a dor de quem ama. E, assim, elas descobrem que há vida no adoecimento, há possibilidades de diversão também, de conexão, de cumplicidade, de intimidade, de gestos de amor.
Histórias como esta nos possibilita enxergar que, por trás da doença ainda existe uma pessoa, que não é somente um diagnóstico, que precisa de apoio e atenção para além dos papéis sociais que ela representava. Esta é uma barreira que a família, os amigos, os amores, tem dificuldade de transpor e ver que, mesmo sendo incapaz de realizar as atividades anteriores a pessoa em adoecimento grave continua necessitando de carinho, atenção e compreensão em relação as mudanças. Tarefa hercúlea para um sistema que não recebeu um manual de orientação e nem pediu por essas mudanças, percebendo-se então a mercê de parâmetros inexistentes, por cada família ser um mundo particular.
Similar a uma empresa que resolve trocar de posição todos seus funcionários e que o estagiário foi promovido a gerente. Imagine, pois, a bagunça, sobretudo emocional, em que essa família é atirada. No filme percebemos os conflitos nos altos e baixos inerentes a longa relação, não só entre os familiares, mas também com a amiga Jess, que se sente culpada por finalmente conseguir realizar o sonho de ser mãe. Mostrando contraste entre a vida que se esvai e a que surge. Afinal, para Jess, por fraternidade, deveria embarcar no turbilhão de luto que está a vida da amiga. Porém, dentro dela há uma vida brotando e necessitando que ela se mantenha forte, que guarde um pouco de sua força para si e para o bebê.
Outro conflito vivenciado pela família é o luto antecipatório, que ocorre antes mesmo da pessoa morrer. Pois, não se perde apenas a pessoa querida, mas também o que ela representa em seu meio social, deixando essa família fragilizada e necessitando de cuidados. Afinal, é uma barra pesada para aguentar, e tentar ser forte, neste caso, não é o melhor caminho. Lidar com seus próprios processos, conflitos, perdas, saudades e ainda ter espaço para lidar com aquela pessoa que necessita de cuidados e de compreensão é uma tarefa semelhante a carregar o mundo nas costas e isso deixa muitas famílias esmagadas por falta de ajuda.
Quando não há cura e o luto inicia antes da própria morte, a luta deflagrada acaba deixando a família confusa, gerando até afastamento entre os parentes, os cuidadores, e o próprio paciente. A família corre o risco de errar ao colocar a pessoa adoecida em um papel infantil, meio café com leite, pois deixa de incluí-la nas tomadas de decisões, sejam financeiras, sobre tratamento e afins das “conversas dos adultos”.
E ao mesmo tempo, essa história de amizade e amor, deixa no ar os conselhos dados, os momentos que só aquela pessoa soube dar colo, os aspectos particulares de cada um que somente ela entendia, os lugares e momentos inesquecíveis que não voltam mais, nos deixando apenas na saudade. A saudade que coabita com o luto... Que faz tudo à volta ficar paralisado.
O caminho para lidar com as situações complexas, como a de um adoecimento grave ou a perda de alguém querido, não está pronto, é desafiador e só se faz o caminho caminhando. Aprender a respeitar os momentos de sofrimento e de elaboração. Saber lidar com o luto que existe por uma razão: para lembrar que é preciso nos permitir sentir o amor, a dor, a angústia, a saudade, o tempo, a perda. Faz parte deste caminho também a luta, para nos lembrar de continuar: para frente, para mudança, para a esperança, para a vida. Afinal, é o “limite da vida o que empresta sentido a uma trajetória, estabelecendo um ponto de chegada” (Corso, D.L. 2017).
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Cinthia Regina Moura Rebouças, psicóloga, CRP 23/001197, atende em consultório particular, adolescentes e adultos, com ênfase psicanalítica, em Palmas-TO. Possui MBA em Gestão de Pessoas (FGV), experiência como Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos, trabalha na interseção entre psicanálise e Trabalho. Tem experiência em trabalho com grupos, Avaliação Psicológica, na área Organizacional e na Condução de processos de Orientação Profissional. Acompanhe seu trabalho em: Facebook: facebook.com/empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi Instagram: @empqnasdoses |
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