Foto: Netflix / Andar, Montar, Rodeio / Divulgação |
O filme da Netflix “Andar, Montar, Rodeio - A Virada de Amberley” (2019) é baseado na história real de Amberley Snyder, uma jovem que começou a equitar na infância. Desde muito pequena surpreendia pelo seu talento em montaria e a habilidade de relacionamento com os cavalos.
Os pais de Amberley sempre incentivaram a filha a competir. Ela era incentivada pelo bordão do pai: "o trabalho duro supera o talento, quando o talento não trabalha duro". A jovem buscava se superar sempre e se tornar a melhor no que fazia. Entretanto, um dia, enquanto estava na estrada, ela sofreu um acidente que quebrou sua coluna vertebral, consequentemente a fazendo perder os movimentos das pernas.
A descoberta da nova condição foi desafiadora e difícil para Amberley e sua família. Contudo, desde o início da reabilitação a jovem esteve focada em três objetivos: andar, montar e rodeio. O tratamento de Amberley seguiu protocolos tradicionais de reabilitação e, apesar do foco e engajamento da moça e do trabalho do terapeuta, ela estava tendo dificuldade com o equilíbrio. Então, seu pai propôs o uso de uma sela na expectativa de que a filha conseguisse adquirir o equilíbrio, tal qual havia acontecido quando ela começou a montar.
A ideia do pai deu resultado e a menina conseguiu desenvolver o equilíbrio em sua nova condição. Entretanto, podemos pensar algumas questões que poderiam ter feito Amberley evoluir mais em sua reabilitação, caso ela tivesse um cavalo como co-terapeuta em um processo equoterápico: a) Amberley tem uma história de cumplicidade e companheirismo com cavalos desde a infância; b) o cavalo é um animal presente no inconsciente coletivo, pois acompanhou o homem em seu processo evolutivo; c) montar um cavalo traz sensação de força, poder e confiança ao cavaleiro; d) a aplicação da mecânica da andadura do cavalo traz benefícios na reabilitação de pessoas com deficiência; e) ter uma equipe multiprofissional com atuação interdisciplinar que planeja e estrutura o atendimento com base nas necessidades e potencialidades do praticante é um diferencial na reabilitação; f) dois dos três objetivos de Amberley com a reabilitação envolviam cavalos (montar e rodeio).
Amberley tem alta da reabilitação e volta para casa mais adaptada à cadeira de rodas. Porém, ainda não consegue se reconhecer na nova condição. Sente-se envergonhada e frustrada por depender dos outros. No filme não vemos a jovem realizar um processo psicoterápico. Contudo, a psicoterapia poderia tê-la auxiliado a lidar melhor com sua nova condição. Além disso, se a Equoterapia tivesse sido utilizada como um dos métodos de reabilitação, o psicólogo da equipe poderia ter trabalhado o aspecto emocional, buscando resgatar a autoestima e a confiança de Amberley.
O reencontro de Amberley com os cavalos não foi fácil. Cavalgar sem o movimento das pernas não era a mesma coisa e a jovem percebeu isso assim que montou em seu fiel companheiro Power. Com o apoio daqueles que acreditavam em sua capacidade de superação, ela se esforçou, foi criativa, deu tudo de si, descobriu novas sensações e realizou sonhos. Talvez essa trajetória de Amberley pudesse ter sido mais prazerosa, ela e a família pudessem ter lucrado mais, caso tivesse tido a oportunidade de ser inserida em um programa de Equoterapia.
De acordo com a doutrina brasileira de Equoterapia, tem-se quatro programas básicos: 1) Hipoterapia; 2) Educação/Reeducação; 3) Pré-Esportivo; e 4) Prática Esportiva Paraequestre. Esses programas são individualizados e organizados pela equipe considerando as necessidades, potencialidades e processo evolutivo de cada praticante. Amberley poderia ter se beneficiado da equoterapia em toda a sua reabilitação e, com acompanhamento e avaliação da sua evolução pela equipe, poderia ter sido inserida no programa prática esportiva paraequestre, onde seria preparada para competições com apoio de um equitador habilitado em Equoterapia, orientado por profissionais da área de saúde.
A determinação de Amberley, o apoio dos que acreditavam nela e o seu amor por cavalos e rodeios foram determinantes na sua história de superação. Se o tratamento dela tivesse sido pensado para além das práticas tradicionais de reabilitação, tendo a equoterapia como mais uma frente de trabalho, talvez essa jovem pudesse ter evoluído diferente, mais rápido, com mais prazer. Ela e sua família poderiam ter contado com mais amparo para realizar seu sonho. Infelizmente no caso de Amberley, somos limitados a imaginar os benefícios que a equoterapia poderia ter agregado ao seu tratamento.
Apesar da existência de métodos terapêuticos interdisciplinares, fundamentados no paradigma biopsicossocial e com evidências científicas, como é o caso da equoterapia, muitos profissionais de saúde ainda atuam dentro de um paradigma biomédico, onde a avaliação e o tratamento, ou encaminhamento para o tratamento, são exclusividade da medicina. Entretanto, vale ressaltar que saúde não é exclusividade de uma especialidade profissional. É preciso ofertar opções em saúde que cuidem da complexidade do humano. No caso de Amberley, houve cuidado com o físico, mas o psicológico e o social não receberam o mesmo cuidado especializado. Como teria sido essa história se a reabilitação tivesse considerado as complexidades e singularidades de Amberley: emocional, cultural, social, afetiva e história de vida? Infelizmente, nesse filme podemos apenas supor a partir do que se sabe dos benefícios da Equoterapia. Entretanto, é preciso que os profissionais de saúde da vida real procurem se atualizar quanto a métodos complementares de tratamento que possam ofertar aos pacientes possibilidades de desenvolvimento biopsicossocial.
Na atualidade, em diversas cidades do Brasil já é possível utilizar programas de Equoterapia para reabilitação de pessoas com deficiência, ofertando desenvolvimento de forma biopsicossocial, ampliando bem-estar e qualidade de vida, fortalecendo a autoconfiança e superando limites. O cavalo como co-terapeuta, junto de uma equipe multiprofissional de atuação interdisciplinar em saúde, pode mediar a virada de vida de diversas pessoas com deficiência.
Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. Contato: (66) 99224-9686 Instagram: @vir_a_ser_Alyne |
Bela reflexão Alyne. Eu reativei meu blog tb. Depois da uma olhadinha. Bjo
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