Gênio Indomável e a relação terapêutica

27 de agosto de 2021

 

Foto: Miramax Films / Gênio Indomável / Divulgação.

No filme “Gênio Indomável” (1997), Will Hunting é um jovem que trabalha como zelador em uma prestigiada universidade. Em um dia de trabalho, vê em uma lousa no corredor da universidade um problema matemático e acaba tendo vontade de resolvê-lo. O professor Gerald Lambeau, que propôs o problema para seus alunos, fica curioso para saber quem resolveu e surpreso ao perceber o talento de Will para matemática. Mas Will vai preso por bater em um policial e para que ele seja solto acaba tendo que aceitar colaborar com Lambeau e fazer terapia.

Will é um jovem de 20 anos, agressivo e metido a sabichão, que teve uma infância difícil. Por ser órfão, passou por 3 lares adotivos e sofreu violência doméstica em um deles. Autodidata, aparentemente passava boa parte de seu tempo na biblioteca lendo tudo o que via por lá. Podemos imaginar que seu jeito foi devolvido por conta do que passou nos lares adotivos, passando a ter um problema com rejeição, o que impactou em todos os seus relacionamentos, com os amigos, com possíveis interesses amorosos e também dentro do trabalho.

O professor Lambeau viu potencial em Will e não queria vê-lo desperdiçar esse potencial. Para Lambeau, Will era um gênio da matemática e queria guia-lo pelo caminho do sucesso profissional, que acreditava ser o certo para o rapaz. Então, acaba levando Will a 5 terapeutas diferentes. Porém, Will se mantem na defensiva com cada um e não consegue formar o vínculo terapêutico com nenhum deles. Lambeau então, decide procurar Sean Maguire, um antigo colega de faculdade, na esperança de que com ele dê certo.

Na primeira consulta, Sean tenta conhecer um pouco de Will, enquanto que Will tenta se esquivar dessa tentativa de aproximação. Mesmo assim, Sean não desiste e decide dar continuidade ao caso. Sean se sentia desafiado com o caso de Will e estava disposto a tentar quebrar a barreira defensiva de Will no tempo do rapaz. O objetivo terapêutico era permitir que o rapaz se descobrisse e ressignificasse seu passado para trilhar seu próprio caminho, mesmo que para atingir esse objetivo Sean tivesse que enfrentar Lambeau.

Durante o filme, vemos Sean e Will criar um vínculo, que seria usado para que Will aprendesse a lidar melhor com relacionamentos de intimidade e com seu planejamento de futuro. A terapia é um relacionamento de intimidade e é através da relação terapêutica que os conteúdos do paciente são tratados, a partir de princípios teóricos e éticos que regem a relação. 

Para essa relação ser construída, o primeiro desafio é encontrar alguém que o paciente se sinta à vontade para falar, o que para Will significou passar por 6 terapeutas diferentes. Em casos como o de Will, em que a pessoa vai por obrigação e não por livre e espontânea vontade ao ambiente terapêutico, é normal haver uma resistência maior para o engajamento do paciente na terapia, assim como a desistência antes de se alcançar o objetivo terapêutico.

A conduta de Sean na sessão era baseada em suas análises. Os recursos terapêuticos utilizados nas sessões são decididos a partir das análises e da abordagem teórica seguida pelo terapeuta. Muitos desses recursos partem do diálogo e da conversa estruturada. Há um objetivo para as falas e intervenções do terapeuta e esse objetivo está ligando a permitir que o paciente chegue ao seu objetivo dentro da terapia. Dessa forma, propiciando ao paciente um espaço de autoconhecimento e autodesenvolvimento.

O espaço terapêutico não é exatamente um ambiente físico, apesar de ter questões físicas importantes para garantir o sigilo e privacidade das informações. Esse espaço é construído dentro da relação, através de um ouvido aberto a escutar sem julgamentos aquilo que o paciente precisa pôr para fora para conseguir organizar sua cabeça. O que permite que a terapia não seja restrita as paredes do consultório, sendo possível que ocorra em outros espaços, como no ambiente virtual, em um quarto de hospital, em um banco no parque ou qualquer outro, sendo que em algumas situações há adaptações na conduta do terapeuta para manter os pré-requisitos éticos do atendimento.

Procurar por terapia, seja porque mandaram ou por vontade própria, é um processo em que cada um leva seu tempo. Não tem como se ter uma previsão fixa de quanto tempo uma terapia vai durar, cada caso é um caso, assim como nem sempre o paciente vai conseguir estar disponível para tratar tudo que incomoda ou atrapalha sua vida. Tanto que tem quem não consiga permanecer até a alta por diversos motivos, como não estar pronto para falar de algo que dói, ou para promover a mudança que precisa na própria vida, ou algumas vezes por questões financeiras ou de convênio. 

O importante na relação terapêutica é se respeitar e buscar o profissional com quem você consiga criar essa relação, se permitir estar ali vulnerável, para si mesmo, alguém que te deixe confortável para criar essa intimidade. A fala com alguém devidamente capacitado pode ajudar a mudar sua vida, através do desenvolvimento do autoconhecimento, da autoestima e de tantas outras habilidades necessárias para termos mais saúde mental. Algumas barreiras não precisamos vencer sós, um pouco de ajuda pode fazer toda diferença. Afinal, para que Will fosse o gênio que ele mesmo se orgulhasse, alguém disposto a ouvir o que ele quer, como Sean estava, tinha muito mais condições de ajudá-lo.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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