Olhos de Gato, um filme sobre fugir de si

11 de agosto de 2020


Foto: Netflix / Olhos de Gato / Divulgação

Você já teve vontade se ser outra pessoa? Ou mesmo se tornar outro ser? Em Olhos de Gato (2020), Miyo Sasaki, apelidada pelos colegas de Muge, é uma garota de 16 anos que mora com o pai e a madrasta. Após seu pai começar a morar com sua nova esposa, a mãe de Miyo a procura para convidá-la a morarem juntas. Mas Miyo ainda guarda ressentimentos da mãe ter a deixado com o pai quando ela ainda era criança. Sua mãe faz esse convite em um dia que saem para aproveitar um festival. Se sentindo pressionada com o convite, Miyo se afasta da mãe e da multidão chegando em uma área vazia do templo com uma barraca de máscaras que parece abandonada, mas que está funcionando com um gato gigante como vendedor. O convite feito pelo vendedor felino é para ela comprar uma máscara e se transformar em uma gata.

Dividir a vida entre ser humana e ser gata a princípio lhe parece divertido. Como gata ela tem a oportunidade de passar tempo com Kento Hinode, o rapaz de sua sala por quem é apaixonada, mas como Muge não consegue se aproximar dele, pois seu jeito espalhafatoso, desajeitado e que chama a atenção o incomoda. Kento é um rapaz reservado, que sofre pressão em casa para atingir as expectativas da mãe, enquanto tudo que gostaria era de seguir os passos profissionais do avô. Com isso, constantemente engolia o que sentia sem compartilha com ninguém, exceto Tarô, a versão gata de Miyo.

Miyo também estava escondendo seus sentimentos. Ainda estava sofrendo com a separação dos pais e o abandono da mãe. Estava tentando aceitar o novo relacionamento do pai, não tinha nada contra a madrasta, mas não gostava da sensação dela estar ocupando o espaço que sua mãe abriu mão por não se sentir boa o bastante para ocupar. Forçava um sorriso e engolia seus sentimentos, para tentar conviver bem com todos e disfarçar sua tristeza. O que lhe trazia alegria era os momentos em que tentava chamar atenção de Kento na escola como humana, e o carinho que recebia de Kento depois das aulas como gata.

Ser gata lhe permitia fugir da sua realidade, lhe dava habilidades que humanos não tem e lhe trazia a alegria de receber o carinho de Kento, já que como humana ele a evitava. As dificuldades começaram a aparecer quando começou a agir como a gata em momentos em que era a humana. Sua cabeça começou a confundir as duas vidas, o que a levou a não conseguir mais administrar ser uma só. 

Certo dia em que chegou ao limite do estresse acabou falando muito do que estava engasgado de uma forma agressiva para seu pai e sua madrasta. Isso a encheu de sentimento de culpa e, por fim, chegou à conclusão de que queria ser a gata, o que para o vendedor de máscaras era o que ele precisava para poder vender sua máscara e sua vida humana para um gato que quisesse se tornar humano.

Ser apenas a gata lhe tirou do espaço que ocupava, preocupou sua família e amigos, assim aumentando o sentimento de culpa. Ver outra Miyo, diferente dela, ocupando seu espaço no mundo a deixou chateada. Apenas querer ser humana novamente não seria o suficiente, ela teria que ir atrás do vendedor de máscaras para conseguir seu rosto e sua vida de volta. Mas para conseguir sua vida de volta ela teria que voltar a acreditar que ser humana era menos sofrida do que ser gata e aprender a administrar o ressentimento, a culpa e o sentimento de não ser boa o bastante.

Muitas pessoas em alguma fase da vida se questionam sobre ser outra pessoa, alguém novo e diferente, e esquece tudo que precisa ser abandonado para que isso aconteça. Não percebem que os problemas que tem sendo si mesmo(a) teria do mesmo jeito ao ser outra pessoa, pois aquilo que não conseguimos resolver, que não sabemos administrar, é porque depende de tempo para poder solucionar ou do desenvolvimento de uma nova habilidade. Ser outra pessoa com a cabeça que temos nada mais é que correr o risco de cometer os mesmos erros por não termos o que é preciso para consertá-los. Mas, ora, se é algo que depende de tempo ou de aprender uma nova habilidade é possível ser resolvido, é possível fazer a mudança, é possível ser uma nova versão de si! 

O medo de não ser suficiente, não ser bom o bastante, de ser incapaz de ocupar uma posição na família, na escola ou no trabalho, pode paralisar nossas ações, mas só pode ser vencido se tentarmos! A culpa por não atender expectativas, nossas ou dos outros, precisa ser repensada, podemos ser nós mesmos e ainda sim ter nosso lugar e aquilo que buscamos nas relações! O ressentimento pode dar lugar ao perdão aos outros e ao auto perdão para conseguirmos ter a paz de sermos quem somos! Viver nossa própria vida pode ser um grande desafio, mas é a nossa maior oportunidade, como percebeu Miyo na sua busca por voltar a ser humana e ter seu lugar no mundo devolvido e reconstruído, se permitindo dar uma nova chance a si e as pessoas que se importam com ela.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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