Foto: Netflix / Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta / Divulgação. |
No colégio Rockport High, Vivian e Claudia tentam passar despercebidas para não serem incluídas em uma lista divulgada todo ano nas redes sociais em que as garotas são classificadas por algum atributo físico ou característica pessoal. Mas algo muda quando Lucy, a garota novata na escola, sofre assédio moral de Mitchell Wilson, o capitão do time de futebol americano da escola. Assim começa o filme "Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta" (2021).
O primeiro assédio ocorre em sala de aula, com todos os alunos vendo e com o professor já iniciando sua aula. Contudo, aparentemente, não há qualquer tipo de advertência sofrida por Mitchell, a situação apenas é ignorada e a aula do professor continua como se nada houvesse acontecido. No segundo momento de assédio, apenas Vivian está de espectadora na lanchonete, quando Mitchell assedia novamente Lucy, que deixa claro estar desconfortável com a situação. Vivian vai até Lucy após o ocorrido para explicar para ela como funciona na escola: Mitchell é grosseiro com todos, mas se você o ignorar e baixar a cabeça ele para de implicar com você. Lucy recusa a se conformar e diz que ela vai manter sua cabeça erguida.
Lucy decide lidar com a situação fazendo uma reclamação para a diretora do colégio, afirmando que Mitchell está a assediando. A diretora fala para ela não usar essa palavra, pois a reclamação com essa palavra gera muita papelada, ignora a reclamação de Lucy e fala para ela se ocupar com atividades escolares extraclasse para ocupar a cabeça. O assédio moral e psicológico em Rockport High é ignorado, tratado como brincadeiras normais, a errada é quem se sente ofendida e não o agressor. Isso se dá pela naturalização do assédio dentro da sociedade. Assim, homens e mulheres, por ver como algo natural, reproduzem e aceitam situações de assédio, esperando que o agressor pare de importunar se o assediado fingir que não foi nada.
A gota d'água para Vivian foi a divulgação da lista, com categorias ofensivas, cheias de estereótipos e com algumas “vencedoras” se sentindo extremamente incomodadas em estarem na lista, incluindo uma categoria especial criada para Lucy. Lucy mostra a lista para a diretora, mas ela diz que não pode fazer nada por ser uma questão de rede social e não do colégio. Ver essa cena faz algo transbordar dentro de Vivian que corre para casa e cria o primeiro volume da fanzine Moxie e a distribui anonimamente no banheiro da escola.
Moxie serviu para dar voz aos sentimentos que Vivian e outras alunas estavam sentindo na escola: assediadas e reprimidas por serem elas mesmas, por vestir um determinado tipo de roupa e por serem taxadas de chatas e revoltadas em momentos em que apenas estavam apresentando suas opiniões. Para elas era claro, a escola favorecia comportamentos violentos nos alunos e reprimiam as alunas com a desculpa de estarem as protegendo dos comportamentos masculinos que a própria escola fazia vista grossa.
Vários dos sentimentos e das questões levantadas na pauta do Moxie eram legítimas e urgentes. Entretanto, como em todo movimento, também houveram seus extremos que não colaboraram, mas enfraqueceram o movimento, como, por exemplo, quando uma das meninas confessa ter colocado o pé para o mascote do time de futebol americano cair, alegando que isso era feminismo. Embora essa jovem estivesse chateada e frustrada pelo time masculino de futebol americano ter mais apoio que o time de futebol feminino, mesmo com o time feminino ganhando mais partidas sem apoio da escola e dos colegas, agressão física não se justifica. Fazer um colega cair e se machucar é errado.
Apesar das consequências desse ato para o movimento e para a agressora não terem sido abordadas no filme, podemos pensar sobre elas. Primeiro temos uma questão ética e moral relacionada a violência, e, além disso, apesar de agressão e violência ser um recurso muito usado pelos privilegiados e o social fazer vista grossa, quando esse recurso é usado por minorias, o social usa dele como forma de justificar as violências contra as minorias, colocando os privilegiados em posição de vítima e diminuindo a credibilidade do movimento. Ou seja, apenas é uma tentativa de combater agressão com agressão, assim alimentando um ciclo vicioso de violência.
Podemos observar essa estratégia quando Mitchell se sente ameaçado por ter a capitã do time feminino de futebol concorrendo pela vaga de embaixador esportivo. Ele vai até o canal de notícias do colégio no dia da eleição e acusa o Moxie de persegui-lo e que depois de manchar sua imagem, Moxie pode procurar por outro alvo. O discurso de Mitchell tocou na ferida de muitos na escola: o medo de se tornar o próximo alvo de uma exposição, de ser o próximo a sofrer assédio ou algum tipo de agressão. Mesmo Mitchell sendo grosseiro com todos, seu discurso alcança o objetivo, pois as pessoas tendem a preferir a zona de conforto a incerteza da mudança.
O medo do incerto também fez com que a criadora do Moxie omitisse sua identidade, e por vezes duvidasse da relevância do movimento. Porém, à medida que o movimento foi crescendo, outras vozes e histórias foram se unindo ao Moxie, encontrando apoio no movimento, e também sendo resistência. Vivian aos poucos foi se empoderando de seus sentimentos, das suas dores e da sororidade. Isso permitiu a ela se sentir segura para se assumir como Moxie. Mas, àquela altura, apesar do Moxie ter sido criado por ela, Moxie já não era mais ela. Suas ações enquanto anônima deu voz a muitos alunos, a fanzine se tornou um movimento que tomou a escola. As vozes silenciadas tiveram a oportunidade de serem ouvidas e compartilhadas. A importância de qualquer movimento estar em cada sujeito se empoderar e ressignificar sua própria luta, tendo oportunidade de pensar em formas éticas de exercitar seu lugar de fala. Nenhuma voz deve ser silenciada. Todas as vozes merecem ser ouvidas com o devido respeito. Todos merecemos respeito!
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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. Contato: (66) 99224-9686 Instagram: @vir_a_ser_Alyne |
Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi |
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