Foto: Imovision / O Pequeno Nicolau / Divulgação |
O que você vai ser quando crescer? Uma pergunta que é comum ser feita as crianças em diversos lugares e é com ela que o filme “O Pequeno Nicolau” (2010) começa. Para Nicolau, o que ele seria quando crescer era um mistério. O que ele sabia, no momento, é que não queria terminar como o pequeno polegar. Impressionado com o que escutou na escola sobre a história do menino que foi abandonado na floresta pelos pais pobres quando chegou mais um filho, Nicolau fica preocupado com o sumiço do amigo que acabou de ganhar um irmão e com as mudanças de comportamento entre os pais, que lembram as mudanças que o amigo relatou ver em casa antes do irmãozinho aparecer.
Mal sabe Nicolau que os pais estão buscando impressionar o chefe de seu pai para tentar um aumento e que as gentilezas, ações sem reclamação e a empolgação deles era por conta de um jantar que ofereceriam para o chefe e a esposa. Mas na cabeça de Nicolau a motivação só podia ser uma: um bebê estava a caminho! E para piorar, seus pais estavam querendo lhe levar para passear na floresta. Assim, começa uma série de planos criativos para convencer seus pais a não o abandonar.
Nicolau e seus amigos têm imaginação fértil e ainda entendem tudo de forma concreta. As nuances dos comportamentos dos adultos, que poderiam ser dicas sobre o que realmente estava acontecendo, são interpretadas de acordo com o que eles conseguem entender. Suas respostas às indagações dos adultos são vistas como grosseiras pela sinceridade e a falta de um “filtro”. Enquanto seu pai procura palavras bonitas para bajular o chefe, Nicolau quer aproveitar o presente que ganhou, escrever uma carta sincera de agradecimento e pedir ajuda no seu plano para não ser abandonado na floresta. Sua sinceridade deixa os adultos em “saia justa”, já que, na visão de seu pai, ele deveria dizer as palavras certas e polidas.
Na escola não é tão diferente, ele e os amigos querem se divertir, brincar e bolar planos, mas, para o inspetor, uma parte do que fazem é desrespeitoso com a escola e com os professores. Para fazê-los entender isso, os põe de castigo tendo que escrever várias vezes a mesma frase para aprender o que se deve e o que não se deve fazer. A professora substituta é rígida, e não se dá o trabalho de conhecer a turma antes de dar ordens, impor medo e julgar o comportamento dos alunos, sendo capaz de intimidar e colocar o melhor aluno da sala de castigo por não ter respondido à pergunta na hora que ela queria.
Os adultos a volta de Nicolau não conseguiam, e nem buscavam, entender o que ele estava passando e nem o que motivava suas ações desesperadas para continuar tendo espaço em sua casa. Suas reuniões com os amigos no terreno baldio para bolar planos nem sempre rendia boas ideias, a ponto de ficarem em situações perigosas para tentar chegar no seu objetivo. Um irmão parecia uma ideia assustadora. Ele não sabia de onde vinham os bebês, só sabia que quando eles chegavam o filho mais velho tinha que dividir tudo, ficar calado para não acordar o bebê e ter que ouvir o choro constante do irmãozinho. E que se os pais fossem pobres, que nem no conto do pequeno polegar, não haveria espaço para os dois.
Durante todo o filme é possível perceber dois mundos bem distintos e que parecem não se corresponderem. No mundo das crianças temos a prevalência da objetividade e do concreto, onde tudo é entendido ao pé da letra, e falado sem filtro ou escolha de palavras. No mundo dos adultos temos o uso de metáforas, prosódias, paráfrases, eufemismos e outros recursos que maquiam as aparências e politizam discursos para impressionar terceiros. Quando esses mundos se encontram a falha de comunicação é visível e certa.
A criança interpreta o mundo de forma concreta e objetiva, pois é o que sua maturidade cognitiva e socioemocional permite. O adulto, por sua vez, tem mais recursos cognitivos para interpretar o mundo, e, a depender de seu nível cultural e inteligência socioemocional, esses recursos se tornam ainda mais rebuscados. Todo adulto já foi criança, porém as vezes parece que ao crescer as pessoas esquecem de como era a vivência das experiências nessa fase da vida, e, por vezes, interagem com as crianças de forma pouco empática, esperando delas mais do que elas conseguem oferecer ou considerando-as muito imaturas para entender as coisas. Consequentemente, não é permitido que elas percebam os lugares que verdadeiramente assumem na família e na sociedade.
Ao longo do filme, é possível observar em cenas suaves como rotineiramente as crianças são silenciadas, recebendo voz apenas para verbalizar o desejo do adulto. Nicolau deve ficar feliz e agradecido pelo presente recebido do chefe do pai, mas na hora de agradecer deve falar o que os adultos esperam, mesmo que ninguém tenha lhe explicado. O que não é esclarecido é fantasiado, e assim as crianças vão preenchendo de forma fantástica os recortes que faltam em busca de dar sentido aos trechos de conversa dos adultos, simultaneamente encaixando os fragmentos para que façam sentido.
Para que esses mundos, o da criança e o do adulto, possam se encontrar, é preciso a prática da escuta, a construção de um diálogo dentro do entendimento da criança e um esforço empático do adulto para acessar o mundo fantástico que, muitas vezes, abandonou ao crescer. Quando as crianças são acolhidas, tratadas com carinho, respeito, afetividade e equidade, elas podem ser quem elas são. Naturalmente acontece uma mediação entre os mundos dela e do adulto, o que possibilita aprendizagens significativas e assim até os conteúdos que pareciam muito difíceis podem ser apreendidos.
A fantasia de ser abandonado que o pequeno Nicolau construiu junto com os amigos é fruto da falta de informação confiável, de diálogo sincero, dentro de seu nível de entendimento e em que ele assuma lugar de interlocutor. O diálogo entre pais e filho pequeno tem seus desafios, mas é o que fortalece o vínculo familiar, ensina comunicação efetiva e dissolve medos que possam ser criados pela falta de conhecer o mundo, assim como protege dos perigos que esse mundo pode oferecer para quem mal o conhece.
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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. Contato: (66) 99224-9686 Instagram: @vir_a_ser_Alyne |
Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi |
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