Os Incríveis - Qual o nosso papel na sociedade?

3 de outubro de 2020

 

Foto: Disney / Buena Vista / Os Incríveis / Divulgação

A vida em sociedade requer colaboração mútua de todos os que pertencem a ela, pois as ações individuais têm impacto no coletivo e vice-versa. No universo de "Os Incríveis" (2004), temos uma realidade onde algumas pessoas possuem habilidades incomuns, poderes, e utilizam deles sob máscaras de "heróis" para deter crimes, salvar pessoas e animais de situações perigosas, auxiliar a manutenção da paz e da ordem.  Os "heróis" atuam com base em seus princípios, valores e moral. Mas, e quando o que eles acreditam ser "salvar o dia" é interpretado diferente por quem foi "salvo"? 

Frente a esse impasse interpretativo, que estava gerando processos judiciais para responsabilizar os heróis dos efeitos colaterais de suas ações, as autoridades decidiram que era melhor fazerem uma recolocação dos "heróis" de forma que assumissem suas identidades secretas como suas únicas identidades, se juntando assim aos cidadãos comuns, heróis comuns, que silenciosamente e anonimamente fazem do mundo um lugar melhor. Assim, tornando-se uma parte de um todo coletivo.

Tudo o que o Senhor Incrível dizia querer era ter uma vida normal, ou pelo menos foi o que ele disse em um trecho de uma entrevista que aparece no prólogo do filme: "Pode salvar o mundo quantas vezes quiser, ele sempre fica em perigo outra vez. É uma piada. Podia ser diferente só um instante, entendeu? Só pra variar! Me sinto uma diarista, acabei de limpar, será que dá pra deixar assim, sem fazer bagunça? Por favor... Às vezes eu penso em ter uma vida normal, relaxar e aí constituir família..."

Entretanto, quando "ter uma vida normal" se tornou sua realidade, as coisas foram diferentes. Ser apenas Roberto Pera, chamado de Beto pelos íntimos, em tempo integral não era suficiente. Afinal, ele era o Senhor Incrível, e usar dos seus poderes para "salvar o dia" era algo muito importante para ele. Por isso, achava-se no direito de fugir de vez em quando para "salvar o mundo", deixando de lado o seus papeis presente de pai, esposo e trabalhador de uma agência de seguros. Seu pensamento estava focado no passado glorioso de ser um super-herói reconhecido e venerado pelo público.

As fugas de Roberto Pera para "prestar um serviço público" e reviver seus "dias de glória" poderiam colocar sua família em risco, e obrigá-los a serem recolocados novamente em outro lugar. Contudo, para Beto, poder usar novamente seus poderes de forma livre era um sonho, que ele inclusive projetava nos filhos, ignorando todas as complicações que isso trouxesse para si e para sua família. Em sua visão, seus filhos deveriam também ser reconhecidos como incríveis, mesmo que para isso usassem seus poderes em benefício próprio, opinião em que ele e sua esposa divergiam, e, consequentemente, acabavam tentando discussões. Era difícil para ele aceitar a mudança no seu status social, de super-herói para homem comum.

O desejo de voltar a ser o Senhor Incrível era tão grande que Beto aceitou uma proposta de emprego misteriosa, secreta e de caráter duvidoso, sem nem refletir criticamente acerca das possibilidades de ser uma armadilha, ou dos possíveis perigos e consequências para a sua família. Oferta duvidosa essa que outros "heróis", assim como o Senhor Incrível, aceitaram pela oportunidade de voltar a trabalhar como herói e reviverem seus passados heroicos, tendo por consequência a perda suas vidas. Verdade dura que Beto descobriu tarde demais para evitar o que estava por vir. Ele teve mais sorte, conseguiu sobreviver, mas colocou sua família e os demais cidadãos em perigo, devido a sua imprudência e dificuldade de aceitar a realidade do presente, insistindo por viver um passado, que não tem como voltar e que o distrai de viver o agora.

Apesar de Beto justificar seus atos com discursos de preocupação com o próximo, na verdade o que moveu suas fugas da "vida normal" é um comportamento narcísico, onde há a crença que seus atos heroicos são imprescindíveis, que seus julgamentos são superiores inclusive a lei que oferece anistia aos heróis que se comprometerem a não realizarem mais atos heroicos. Os atos heroicos do Senhor Incrível falam mais sobre a sua necessidade pessoal de realização do que sobre pensar no outro e no coletivo. Há uma comparação que pode ser feita entre a vivência de Beto e o que tem acontecido na atualidade em vários lugares do mundo.

Em 2020, a pandemia causada pelo vírus COVID-19 tem preocupado governos, instituições de saúde, e cidadãos pelo mundo. Os números de infectados e mortos aumentam diariamente ao redor do globo. A vacina é a grande esperança dos cientistas e das autoridades. Porém, por enquanto, tais vacinas estão apenas em fases de testes, e as medidas de segurança mais recomendadas ainda são o isolamento e o distanciamento social, assim como o uso de máscara em locais públicos e a higienização frequente das mãos. No Brasil, existem pessoas que já estão há 7 meses em isolamento e/ou distanciamento social. Diante deste cenário incerto e sem perspectiva próxima de mudança, diversas pessoas estão ficando fatigadas, e descumprindo as medidas de controle sanitário. Apesar das tecnologias atuais permitirem o contato com pessoas queridas de forma virtual, mantendo um convívio social, há quem esteja fazendo aglomerações, se expondo a riscos e colocando outras pessoas em riscos. 

Tal qual o Senhor Incrível, muitas pessoas antes da pandemia se queixavam de suas rotinas e diziam desejar mais tempo em casa, mais tempo com a família, mais tempo para si. Mas, na prática, é difícil estar em família tempo integral, evidenciando as dificuldades de comunicação e de lidar com as diferenças. É difícil estar em casa, se sentindo preso e sem sair. É difícil estar consigo mesmo, tendo que lidar com os próprios conflitos internos. Em uma tentativa de fugir dessas companhias, que na prática nem sempre são tão confortáveis como se imagina, as pessoas buscam "necessidades" e justificativas para fugir do isolamento e do distanciamento social. Tal qual o "Senhor Incrível", acabam colocando a si, a família e a sociedade em risco.

Há quem precise sair, seja para trabalhar ou para algum cuidado de saúde. Nem sempre é possível um isolamento físico total. A questão é não tomar os cuidados consigo e com o outro. Há recomendações de como proceder para se proteger e há recomendações de como não se tornar um transmissor do vírus COVID-19 quando se confirma o diagnóstico. Contudo, há quem mesmo com a certeza de seu diagnóstico, busca justificativas para sair de casa e propagar o vírus, sem se preocupar com as pessoas que ficam expostas ao vírus por conta de seu contato. É preciso entender que é uma questão de responsabilidade social, de pensar em si e no coletivo. Não tem como ter certeza de quem vai ter contato com o vírus e necessitar de internação, não há uma sinalização clara de quem corre mais ou menos risco. É um vírus que ainda está sendo estudado! A resistência em entender isso é viver no passado e negar o presente, assim como o Beto, que prefere se ver como o Senhor Incrível, que é seu passado, do que aceitar ser o Roberto Pera, que é o seu presente. Quanto sofrimento poderia ser evitado para a família de Beto se ele tivesse aceitado o presente? 

No filme, a família Incrível tem superpoderes e com eles foi capaz de evitar um mal maior. Entretanto, fora do universo cinematográfico, não existe superpoderes... Nos resta repensar nosso papel no social, assumir nossas responsabilidades de heróis comuns, que silenciosamente e anonimamente podem construir uma sociedade segura para todos, e fazer do mundo um lugar melhor. Para isso, precisamos aprender a lidar melhor com as mudanças da vida, e entender nosso papel na sociedade. Somos um em um todo chamado sociedade. A cada pequena ação somos capazes de afetar as pessoas ao nosso redor. Agindo com responsabilidade podemos fazer uma diferença positiva para nós e para os que nos cercam. É preciso cada um conseguir, para a gente, sociedade, conseguir.

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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. 
Contato: (66) 99224-9686
Instagram: @vir_a_ser_Alyne

Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
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