A Mentira – propagação de informações e impactos na saúde mental

29 de setembro de 2020

Foto: Sony Pictures / A Mentira / Divulgação

 Já teve algum momento que você decidiu contar uma pequena mentira? Que a princípio parecia inocente, mas que causou muito mais problemas do que trouxe soluções? Esse é o enredo do filme “A Mentira” (2010). Para evitar um final de semana na casa de sua amiga, Olive, uma garota de 17 anos, decide inventar um encontro como desculpa para não ir. O problema é que Rhiannon, sua amiga, queria saber sobre tudo o que aconteceu no encontro quando se viram na segunda-feira na escola. Assim, o encontro de uma noite virou uma mentira sobre uma aventura romântica de um final de semana contada no banheiro da escola, onde a líder religiosa extremista dos alunos da escola, Marianne, ouve tudo. Pronto, é aí que os boatos e fofocas começaram a se espalhar pela escola.

Com a informação circulando de boca em boca e a ajuda das redes sociais, em questões de minutos toda a escola estava sabendo sobre o encontro de Olive e de como ela perdeu a virgindade. O problema só aumentava a cada pessoa que ficava sabendo. A história ia se modificando, novos detalhes iam aparecendo e a reputação de Olive na escola se transformando totalmente. No desespero e na pressão de contar a amiga uma história impressionante sobre seu encontro, Olive saiu do anonimato na escola para ser conhecida como a garota promíscua. Começou a ganhar atenção e a ter a visibilidade que nunca teve antes. Como muitas pessoas começaram a falar com ela, passou a sentir que tivesse finalmente se enturmando e conquistado um lugar ao qual pertencesse na escola.

Por conta de sua nova reputação, o grupo de jovens religiosos extremistas começaram a pegar no pé de Olive e ela acabou ficando em detenção escolar por dar uma má resposta a uma deles no meio de uma aula. A atividade da detenção era limpar a escola, junto com Brandon, outro aluno que também estava em detenção. Enquanto conversavam, ela conta a verdade a ele e ele acaba pedindo ajuda a ela para ter uma reputação melhor na escola. Olive acaba aceitando e eles criam uma situação para a escola acreditar que eles tiveram uma relação sexual. A partir daí, Olive perdeu o pouco controle que ainda tinha de sua reputação e várias pessoas vieram pedir para fingirem que ficaram com ela para melhorar suas reputações ou mentiram ter ficado com ela para acobertar segredos sem seu consentimento.

A reputação de Olive já não dependia mais do que ela fazia, falava ou deixava de falar, as fofocas e boatos construíram uma imagem falsa na escola sobre ela. A forma que viu de lidar com isso foi assumir a imagem que criaram dela, mudar suas roupas e forma de agir, para se tornar visualmente aquilo que os outros acreditavam que ela fosse. Ela se perdeu de si, sem ter com quem se abrir, com quem se aconselhar e sem amizades por perto, já que os boatos afastaram todos dela, com poucas exceções. Os boatos eram baseados em estereótipos, muitos reforçados por certos assuntos serem vistos como tabus, assuntos proibidos, que não devem ser falados de forma aberta, mas que são conversados as escondidas, como se a informação sobre eles fossem segredos.

O problema de se tratar assuntos como tabus está em fingir que eles não existem, que não são importantes e retirar o direito de falar abertamente, assim perdendo-se o espaço de diálogo e orientação adequada sobre esses temas. Por mais que pareça conveniente não falar sobre certos assuntos, seja por medo, por incômodo, por vergonha, por falta de conhecimento ou por julgamentos morais, entre outros, não ter com quem falar, alguém para acolher o sofrimento, negar o direito de escuta e de receber uma orientação adequada sobre assuntos como mentira, sexo, sexualidade, desesperança, sentir-se não pertencer, autoimagem, bullying, abusos, violências de todos os tipos, ou qualquer outro tema que seja tratado como um tabu, é negar ao sujeito a oportunidade de elaborar e encontrar uma forma saudável de se lidar com a própria vida e com a dificuldade que possa estar passando.

Fingir que algo não existe é uma forma ineficiente de lidar com esses assuntos. Sim, para cada idade, para cada fase da vida, para cada nível de maturidade há como abordar esses assuntos com cuidado e de acordo com o entendimento de mundo que o indivíduo já tenha. Se não nos vemos capazes de orientar, podemos buscar auxilio e orientação em quem seja capaz. Se somos quem precisa de orientação, podemos buscar em lugares que passe uma informação segura e confiável. O que não se pode é fechar os olhos e os ouvidos para situações que afetam a saúde mental de todos. Por isso é importante se conhecer e ter fontes confiáveis de informações. Ou poderemos estar repassando e alimentando mentiras, que parecem inocentes, mas que podem afetar a vida de alguém mais do que imaginamos. Se somos o alvo da mentira, temos várias consequências emocionais que podem marcar uma vida e que afetam seriamente nossa saúde mental.

Ser o criador de uma mentira ou ser o propagador dela traz consequências a todos os envolvidos na situação. O que Olive só foi perceber quando já tinha feito muita bagunça em sua própria vida e que só conseguiu sair quando decidiu aceitar a ajuda que seus pais e seu crush tentaram lhe oferecer desde o início. Suportar o julgamento dos outros foi um fardo muito mais pesado do que ela imaginava. Então que tal nós buscarmos em nossas vidas compreender mais, julgar menos e cultivar um diálogo aberto e franco, ao invés de colocar os problemas escondidos debaixo do tapete, esperando que eles se resolvam sozinhos? Talvez assim, muitas mentiras nem cheguem a existir. Informação é importante desde que seja verdadeira, procuremos propagar apenas informações confiáveis.

____________________

Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

Nenhum comentário:

Postar um comentário