Fotos: Universal Pictures Brasil / Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo / Divulgação |
“Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo!” (2018) é a continuação do filme "Mamma Mia!" (2008), que é uma adaptação da peça musical homônima, inspirada nas canções do grupo sueco ABBA, escrita por Catherine Johnson e dirigida por Phyllida Lloyd. Nesse segundo filme, temos a oportunidade de conhecer melhor a jovem Donna, uma moça espontânea, encantadora, divertida, sonhadora, sedutora, e que não se prende muito aos padrões sociais impostos pela sua época, se guiando mais pelo seu coração do que por regras e costumes.
Após terminar os estudos, a jovem Donna resolve embarcar em uma viagem em busca de seu destino. Ao chegar na primeira parada da sua viagem, conhece o ousado, romântico e inexperiente Harry. Depois de uma refeição animada, agradável e um discurso de que "quando é paixão é paixão", eles passam a noite juntos. Destaca-se que, apesar de Donna ser uma jovem empoderada, ela se encontra submissa ao sistema sexista vigente na sociedade ocidental capitalista da década de 1970. Consequentemente, ela tem o dispositivo amoroso como centro do seu processo de subjetivação e bússola de seu destino. Donna não estava apaixonada por Harry, mas ao vê-lo escolhê-la acaba deixando-se ser escolhida. Contudo, ele não atende as suas expectativas. Como ela ainda está em busca de um destino, segue sua viagem.
Para chegar ao seu destino final, uma pequena ilha grega, ela precisa pegar um barco, entretanto ela perde a barca comercial que faz esse trajeto. Assim, acaba pegando uma carona com o jovem e engraçado veleiro Bill, que também se sente atraído por Donna. Porém, apesar das investidas de Bill, não rola nada, pois Donna divide os sedutores em dois tipos. O primeiro não gosta muito de mulheres e busca reafirmação de poder. Já o segundo é o cara que se apaixona de verdade a noite para abandonar pela manhã, tentando convencer a mulher que ele que está sofrendo, pois ela é mais do que ele merece. Pela análise preliminar de Donna, Bill seria o segundo tipo.
Chegando na ilha, Donna encontra Sam, um arquiteto recém-formado. Seu plano é aproveitar uma breve viagem, retornar para casa e começar a viver a vida que foi planejada para ele pelos outros. Os dois vivem um apaixonante romance de verão, até que Donna descobre que Sam estava noivo e termina o romance. Donna fica muito triste com o término. Suas amigas, que vieram de longe para vê-la, tentam animá-la. Contudo, é em um casinho rápido com Bill que Donna busca superar a “deprê” do término com Sam, mesmo tendo ciência de que Bill não será um romance duradouro. Observamos novamente a supervalorização do dispositivo amoroso na subjetivação da mulher, sendo mais importante que amizades ou hobbies.
O verão chega ao fim e as amigas precisam voltar para casa. Por outro lado, Donna não está animada com a ideia, principalmente depois que descobre que está grávida, e resolve ficar, se despedindo das amigas, enquanto guarda para si esse segredo. Do momento em que Donna descobre a gravidez em diante seu planejamento de vida passa a ser o de viver para a sua filha. Refletindo sobre essa decisão, esbarramos com outro dispositivo de subjetivação de mulheres em nossa cultura que é o materno, marcado pela doação total para o outro. Assim, Donna vai se doar por Sophie e vai cuidar dela sozinha, inclusive nunca procurando os possíveis pais da filha, pois, segundo as normas socioculturais, o cuidado é responsabilidade da mulher. Além disso, ela nem sabe ao certo quem é o pai dessa criança, o que a coloca em uma posição desfavorável e a mercê de julgamentos. Então, ela escolhe aceitar o papel materno e se realizar nele, apesar das dificuldades e sobrecarga de criar uma filha sozinha e sem rede de apoio.
Em contrapartida, entrelaçado com os acontecimentos do passado, acompanhamos a jornada de Sophie no presente. Diferente da mãe, que em 1978 decidiu mudar a própria vida e acabou seguindo por um caminho não planejado, Sophie está passando por um período de luto. Sua vida adulta mal começou, mas a um ano Donna faleceu. A jornada do presente é para superar a perda e Sophie decide fazer isso realizando o sonho de sua mãe, construindo uma pousada luxuosa na propriedade em que cresceu. Para reabrir a pousada, com novo nome, Hotel Bella Donna, Sophie precisou fazer alguns sacrifícios, como ficar longe do amor de sua vida, Sky, que está se aperfeiçoando em hotelaria em Nova York, enquanto ela foca suas energias no trabalho.
Sophie sempre teve a mãe como modelo e apoio na vida. Sem ela se sente só, ainda mais com Sky longe. Assim como Donna, Sophie é uma mulher empoderada, corajosa e dedicada. Sua busca por superar a perda da mãe é também uma busca por sair da sombra da mãe, para enfim ir atrás de realizar seus próprios sonhos. Ao contrário de Donna, que sofreu com os preconceitos da época em que entrou na vida adulta, Sophie tem a liberdade de correr atrás de seus objetivos, tendo uma rede de apoio no esposo, nos três pais e nas tias, amigas da mãe, Tanya e Rosie. Tanto que a descoberta de sua gravidez a faz se sentir próxima de sua mãe, ao mesmo tempo em que se sente privilegiada por não precisar passar pelas mesmas dificuldades que a mãe passou.
O sexismo social que rege nossa cultura a séculos oprime e adoece mulheres e homens, até mesmo aqueles que parecem mais resolvidos. Donna é uma personagem fictícia que tem sua vida inspirada em músicas pops. Tanto a música quanto o cinema são ao mesmo tempo retratos de uma sociedade no tempo/espaço, reflexos sociais e formas de manter e repassar cultura. Existem diversas histórias como as de Donna, mãe solo romantizada por títulos de guerreira e rainha, que maquiam a sobrecarga de quem tem que dar conta de criar um filho só. Por vezes é abandonada pela própria família, perdendo a rede de apoio esperada e precisando de buscar uma nova rede, aceitando a ajuda de estranhos que lhe estendam as mãos. E se olharmos para os três possíveis pais veremos homens que foram impedidos de exercer paternidade, de criar vinculo, de cuidar e se conectar com a filha.
Analisando essa família não tradicional, ainda mais para a época em que ela seria construída, podemos pensar em como poderia ter sido rico para Sophie poder ser criada por pessoas tão diferentes! Essa é uma imagem mental que só pode ser construída na nossa imaginação, já que todos os jovens envolvidos na história passada do filme viveram as sombras das decisões dos outros sobre como deveriam viver suas vidas de adultos. Privados, assim, do direito de escolher, acerta ou errar, sem perder o direito a rede de apoio familiar. Na história do presente, Sophie tem a oportunidade de romper com a ideia de viver à sombra dos outros e construir sua própria jornada, bem como a própria mãe fez. Receber orientação é importante, porém ter a vida decidida pelos outros tem consequências por vezes irreparáveis. Por mais que com os anos essas estruturas estejam sendo revistas e modificadas, ainda há muito o que se rever sobre os traços sexistas enraizados e naturalizados dentro da sociedade e da cultura.
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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. Contato: (66) 99224-9686 Instagram: @vir_a_ser_Alyne |
Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi |
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