Foto: Warner Bros. / It - A Coisa / Divulgação |
Stephen King ganhou notoriedade escrevendo histórias de suspense focando no que poderia ser o grande medo de seus protagonistas. Tanto que várias de suas histórias foram adaptadas para outras mídias, como é o caso de It, que teve uma adaptação nos anos de 1990 e agora veio as telas de cinema na década de 2010. A nova adaptação divide a história em dois filmes, ou melhor, em dois capítulos.
No filme “It – A coisa” (2017), o primeiro capítulo dessa versão, temos a oportunidade de conhecer os personagens ainda crianças/pré-adolescentes. Assim, quando sumiços estranhos de crianças começam a acontecer na cidade de Derry, uma pacata cidade pequena, nos é mostrado que a história dessa cidade esconde um terrível fenômeno que ocorre de 27 em 27 anos. Os eventos atuais acabam aproximando os pré-adolescentes Ben, Beverly, Bill, Eddie, Mike, Richie e Stanley, que passam a formar o Clube dos Perdedores (Loser Club). O que os une é justamente a busca por entender o que está acontecendo, a fim de achar Georgie, o irmão perdido de Bill.
Georgie desapareceu após conhecer “a coisa”, um ser de origem misteriosa, que se apresenta para ele usando a imagem do palhaço dançarino Pennywise. Porém, Georgie não é a única criança que desaparece na cidade. Durante o período de um ano, vários cartazes de desaparecidos se espalham por Derry. Bill, temendo ser o culpado pelo desaparecimento de Georgie, decide procurá-lo e convence seus amigos a ajudá-lo. O problema é que "a coisa" devora medo e explora o medo de cada pessoa desaparecida para poder se alimentar. O medo de ser o culpado, de não ter feito o suficiente para proteger o familiar desaparecido é comum em quem precisa espalhar cartazes e fazer campanhas para achar um ente querido que por algum motivo sumiu e Pennywise se aproveita disso para aterrorizar Bill, chegando a assumir a aparência de Georgie em vários momentos do filme.
Mas, não é só Bill que tem seus temores explorados, Pennywise se aproveita do pavor de Mike por ter perdido os pais em um incêndio. Pessoas que passam por situações traumáticas podem desenvolver uma série de reações emocionais por qualquer ocasião, imagem ou objeto que os façam lembrar do evento traumático, assim associando o que viveu com outros estímulos que lhe pareçam semelhantes. O primeiro encontro de Mike com o ser misterioso é justamente quando ele ouve gritos e vê mãos queimadas saindo de uma porta de serviços enquanto ele entregava algumas encomendas.
Indo além, o medo da morte não está associado só a quem passou por traumas, como nos mostra Ben, um jovem estudioso que fica impressionado com o que lê e com sua pesquisa sobre a cidade e é aterrorizado por Pennywise, ao tirar vantagem de seus receios usando ilusões com pessoas mortas. O medo da morte é temer o desconhecido, algo frequente entre as pessoas justamente por não se ter certeza do que acontece com os seres quando falecem, tanto que há várias crenças sobre vida após a morte. Pode ser visto tanto como o medo de morrer, quanto como o medo de encontrar quem já morreu, por exemplo, cadáveres, fantasmas, múmias e zumbis. A forma que “a coisa” encontra para provocar Ben é se transformando em cadáveres.
Morrer não é o único temor do desconhecido que vemos no filme. Richie, além de ter medo de palhaços, está apavorado com a possibilidade de ser o próximo a desaparecer. A falta de segurança pública gera na população o medo de sair de casa por não saber o que pode acontecer caso alguém com más intenções aborde as pessoas na rua. Mas, às vezes, esse temor pode estar associado a crianças vítimas de bullying por conta das ameaças que sofrem de seu agressor. O cartaz de desaparecido de Richie é o que o deixa vulnerável ao palhaço de forma mais clara.
O horror que Eddie sente mostra que as ruas podem esconder outros tipos de perigos. Devido a sua criação superprotetora, Eddie tem pavor de pegar alguma doença grave, algo comum de ser sentido por pessoas hipocondríacas ou com ansiedade por doenças. O sofrimento gerado por temer pegar uma doença a qualquer momento limita a vida de pessoas que sofrem com essas condições e as faz gastar muito tempo e dinheiro buscando doenças em si que precisem tratar. Pennywise personifica seu medo se transformando em um leproso para atormentar Eddie.
Outro medo que pode ser limitante na vida de uma pessoa é o de não ser perfeito, receio de Stanley, que é simbolizado no filme pelo horror que sente pela mulher retorcida no quadro do escritório de seu pai. Pessoas perfeccionistas passam muito tempo ocupadas com detalhes, buscando atender altos padrões de qualidade e se autocriticando por aquilo que não saiu como supostamente deveria. Pennywise busca amedrontar Stanley aparecendo para ele como a mulher retorcida do quadro repetidas vezes.
Diferente da busca pela perfeição, em Beverly vemos o medo de crescer associado ao lidar com seu pai abusivo. Tanto na escola, quanto nas ruas da pequena cidade, Beverly é mal vista por conta de seu comportamento retraído, agressivo e sexualizado, sofrendo bullying por parte dos outros colegas. Enquanto que em casa, sofre abuso e ameaças de seu pai. Crianças que sofrem abusos desenvolvem uma série de medos, do abusador, da situação, de passar por isso novamente, entre outros. Acaba desenvolvendo um padrão de comportamento que atrai novos abusos, por vezes se tornando um ciclo que precisa de tratamento adequado para que seja quebrado. Ciente de que Beverly não temia o palhaço, “a coisa” precisou recorrer a imagem de seu pai para tentar virar o jogo a seu favor.
Apesar de todas essas tentativas, “a coisa” não conseguiu concluir sua alimentação, se recolhendo novamente a hibernação. Enquanto isso, os sobreviventes fizeram uma promessa de se encontrarem no futuro para tentar vencê-lo de vez e impedir que outras pessoas passassem pelo mesmo que eles. Mas para o ser misterioso, seriam 27 anos guardando rancor para atacar com tudo aqueles que atrapalharam seus planos, assim fazendo sua vingança.
Em “It – Capítulo 2” (2019), encontramos com os sobreviventes adultos, depois de terem seguido suas vidas, recebendo um telefonema para se reunirem novamente. Ouvir sobre a cidade de Derry desencadeou uma serie de reações emocionais em cada um deles, que se viram obrigados a cumprir com sua promessa. Mas um deles se se vê incapaz de lutar contra seus medos e não aparece ao reencontro. Para os que aparecem, o retorno a cidade, que deixaram para trás, reacende antigas memórias e antigos medos.
Enfrentar novamente “a coisa” os obrigou a lembrar dos medos que tentaram esquecer, o que os fez perceber que se esforçar para esquecer o que os amedronta não faz com que seus medos desapareçam. As marcas deixadas pelos eventos mostrados no filme anterior os transformaram. As situações traumáticas não resolvidas acabaram por virarem padrões que os sobreviventes levaram para a vida adulta, continuando a vivenciar e sofrer por conta daquilo que os amedronta.
A forma como cada um lidou com seus medos, para alguns abriu novos portas, para outros destruiu suas oportunidades. Todos nós temos nossos medos, ansiedade, receios e preocupações. Durante a vida passamos por diversas experiências que nos deixam marcas e aprendemos a ter medos. Fora aqueles que são considerados como herança biológica, que são instintivos. O que não falta são estudos tentando explicar essa emoção, chegando a ter várias visões diferentes sobre o que ele seria.
Podemos ver o medo como uma forma de proteção do organismo, mas precisamos estar preparados para enfrentá-lo, ou poderemos acabar paralisados e devorados pelo o que tememos, assim como nos mostra “a coisa”. Os eventos do filme nos exemplificam que o medo tem o tamanho que damos a ele. Portanto, vencer os medos, afinal, pode ser uma boa forma de sarar as feridas que os geraram, e, caso necessário, não há nada de errado em procurar ajuda para ser capaz disso!
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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinup: clinup.blogspot.com
Instagram: @empqnasdoses
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