As Vantagens de Ser Invisível e os problemas de se passar despercebido

19 de maio de 2020

Foto: Paris Filmes / As Vantagens de Ser Invisível / Divulgação

Alguma vez você já contou os dias para que algo acontecesse? E por acaso chegou a contar os dias que faltavam para algo chegar ao fim? É contando os dias que faltam para acabar os anos de Ensino Médio que conhecemos Charlie, no filme As Vantagens de Ser Invisível (2012), e o acompanhamos durante a primeira parte dos 1385 dias até sua formatura.

Charlie é um rapaz tímido, retraído e desajeitado. Por conta de seu jeito calado, amedrontado e solitário, passava invisível por diversas pessoas na escola, mas isso não o impedia de sofrer bullying, como outros colegas de Ensino Médio. Admirava os corajosos que gostavam de aparecer, como Patrick, um rapaz que já estava no último ano, aparentemente cheio de energia, brincalhão e destemido. 

Pela admiração que sentia por Patrick, se permitiu tentar conhecê-lo, o que levou Charlie a conhecer a irmã de Patrick, Sam, e outros amigos deles. Logo estava junto dos “desajustados”, fazendo novas amizades e buscando conhecer coisas novas para se sentir fazendo parte daquele grupo. Junto dos irmãos, frequentava lugares e festas, tentando estreitar laços.

Charlie não questionava o que lhe era oferecido pelo grupo de amigos, não falava o que queria e pensava e não mostrava seus problemas, apenas buscava se enturmar e sentir que tinha amigos, passando, assim, despercebido por eles. Essa falta de uma comunicação assertiva criou conflitos e colocou em risco as relações que ele tentava construir com tanto esforço. Ao evitar dizer o que incomodava para não incomodar os outros, vivia apenas para tentar atender expectativas, ao mesmo tempo em que contrariava o conselho de seu pai sobre fazer amizades: “ponha um sorriso e seja você mesmo”. Charlie não sabia o que era ser ele mesmo, evitava pensar sobre si, lutava para manter o controle de seus pensamentos, enquanto que seus amigos estavam na jornada por se descobrirem antes de entrar na faculdade. 

Em meio a esses relacionamentos tortuosos, não era de se estranhar que uma hora Charlie entraria em parafuso. Envolto nos problemas dos outros, buscando usar os amigos como pilares para manter o controle sobre o que acontecia na sua cabeça, ele ignorou os sinais de que não estava bem. Todos seus amigos estavam ali imersos em seus próprios problemas, então passou invisível a real situação de Charlie. Cada um dos membros do grupo de amigos tinha seus traumas do passado. Alguns sofreram algum tipo de abuso, outros passaram por agressões por ser quem são ou pelas escolhas que fizeram, e para Charlie a situação não era diferente, mas seu foco estava apenas em fazer algo pelo outro.

Querendo ajudar seus amigos, e conquistar a garota por quem se apaixonou, Charlie chegou a pedir conselhos para um professor que lhe disse: “aceitamos o amor que achamos que merecemos”. Ele refletiu sobre isso em relação a como a garota se portava frente aos relacionamentos dela, mas esqueceu que também precisava pensar sobre o amor que ele acreditava merecer, pois sua situação, em certos pontos, era parecida com a dela.

A desvantagem de Charlie ser invisível, inclusive para seus próprios olhos, é que ele não percebeu que para ser capaz de ajudar a salvar o outro, precisamos primeiro de sermos capazes de salvar a nós mesmos. Cada um tem sua história de sofrimento, seus traumas, suas dificuldades e seus problemas. Não há nada de errado em querer auxiliar um amigo, mas tratar como invisível nossos próprios problemas só amplia o sofrimento e o estresse para nós mesmos. Ver o outro ao mesmo tempo em que nos vemos é o que nos torna capazes de enfrentar as nossas próprias dificuldades e ter condições de dar apoio para aqueles que amamos. Tendo essa postura, podemos aproveitar as vantagens de ser percebido, ao invés de ter de suportar só os sofrimentos de ser invisível.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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