O quarto de Jack (2016)

26 de maio de 2020


Foto: Universal Pictures / O Quarto de Jack / Divulgação

Jack é um menino que nasceu em um cativeiro, local onde inicia o filme e onde ele se encontra com 5 anos de idade. Até essa idade ele vive com sua mãe em um quarto – o cativeiro, que é o único universo que ele conhece, sem ter, portanto, contato com o mundo externo. O único contato que ambos têm com o mundo exterior é a visita periódica do Velho Nick, o homem que os mantém em cativeiro.

Esta história conta a percepção de Joy e Jack a respeito do quarto e do mundo. Para Jack, o limite do universo são as paredes que o cercam. Como qualquer criança nesta idade, é natural a inconsciência do mundo externo, considerando como essencial apenas o mundo privado e os elementos que fazem parte deste mundo. Enquanto isso para Joy, sua mãe, o quarto é verdadeiramente uma prisão. 

Diante dessa realidade, Joy fez de tudo para criar as melhores condições para o desenvolvimento de Jack, mesmo numa situação tão precária. Ao traduzir o universo para Jack, Joy cria uma fantasia na qual todos os objetos que estão dentro do quarto são reais, já os que passam na tv não são de verdade.

Como uma forma de compensar a falta de relações humanas, Jack personifica os objetos a sua volta, amenizando assim a solidão e a rotina maçante de se morar em um quarto. Como seres sociais que somos, a necessidade de contato com outros seres humanos, além da mãe, faz com que Jack crie uma relação intima com os objetos. Através da brincadeira, Jack interage com um mundo controlado por ele, criando assim uma visão do mundo por meio de suas experiências, o que dá a ele uma sensação de amizade com tudo que existe no quarto.

Podemos entender o quarto do Jack como um lugar para além do físico, um lugar psicológico- aquele “quarto” íntimo, seguro, confortável, que todos temos apego e resistimos em abandonar, mesmo que seja necessário para o nosso crescimento. Para Jack, o quarto é o espaço controlável, sua zona de conforto, pois tudo ali era previsível, conhecido, conveniente e tinha sempre a presença da sua mãe, sendo, então, protegido.  

Nesse tempo, Joy precisa lidar com o mundo que criou para o filho ao mesmo tempo em que é obrigada a cumprir o papel de escrava, poupando o menino da cruel realidade.

Com o passar do tempo, e consequente crescimento de Jack, Joy confinada nesse cativeiro há 7 anos, vê as coisas tornando-se cada vez mais difíceis de contornar e decide elaborar um plano para fugir. Com a ajuda de Jack, ela tenta enganar Nick para retornar à realidade e apresentar um novo mundo a seu filho. Porém, com o sucesso da fuga, mesmo conseguindo poupar Jack da realidade do cativeiro, Joy não consegue poupar a si mesma, tendo em si memórias e comportamentos de vítima que influenciam sua vida e a tornam presa mesmo em liberdade, como se o quarto não tivesse saído dela. 

Privada da vida na juventude e preocupada com o bem-estar do filho - fruto das consequências da violência sexual do Velho Nick - Joy se encontra em uma depressão profunda. Todo tempo pensando em cuidados ao Jack e impossibilitada de ter o amparo necessário, tendo suas necessidades físicas e psicológicas suprimidas, e sendo vítima repetidas vezes. Por sobreviver a esses ataques sucessivos, Joy acredita que sua liberdade resolverá todos os seus problemas.

Supondo-se mais forte do que realmente é, ela acaba se negligenciando por ser uma prática comum ter que cuidar apenas de seu filho, alienando-se de si. Essa “vida no automático”, característica das pessoas que não tem condições de entrar em contato com seus problemas reais por considerarem estes problemas muito maiores que si, leva Joy a chegar ao limite de suas forças. Potencializado pelo encontro com o mundo real e as reações de cada pessoa da sua antiga vida, o contato com várias questões (sendo uma delas a falta de lugar para si, pois durante muito tempo sua casa era o “quarto”, o seu quarto de adolescente não serve mais para uma adulta com um filho), o adoecimento de Joy cresce de forma invisível e expansiva.

Ao não se perceber vítima, acaba reproduzindo um comportamento de vítima de se colocar em situações de risco, como quando aceita se expor a entrevista e contar sobre as situações traumáticas que passou, não medindo os riscos de se expor com a ferida aberta. 

Este filme mostra os diferentes ângulos de uma situação de confinamento. Para Jack, a sensação de: como enfrentar a despedida se aquele lugar é entendido como único? Diversas vezes Jack pede para voltar para o quarto, não para o espaço físico dele, mas para a sensação que ele proporcionava. Sentindo, em um primeiro momento, que as coisas ficaram ruins depois que ele saiu do quarto. Já para Joy, que tinha uma vida antes do confinamento e esta foi interrompida pelo evento traumático: Como retomar a vida e lidar com todos esses acontecimentos? Como agir como se nada disso tivesse acontecido e simplesmente viver?

A resposta para os questionamentos de ambos é: não dá. O que é possível é se perceber vivo e buscar construir um novo mundo, se permitir explorar novas experiências e se redescobrir perante esse mundo. Como Jack mesmo reconhece “Há mais coisas na terra do que você jamais sonhou”, “Às vezes é assustador. Mas tudo bem. Porque nós dois estamos juntos”, “Ajudamos uns aos outros a nos mantermos fortes. Ninguém é forte sozinho”.

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Cinthia Regina Moura Rebouças, psicóloga, CRP 23/001197, atende em consultório particular, adolescentes e adultos, com ênfase psicanalítica, em Palmas-TO. Possui MBA em Gestão de Pessoas (FGV), experiência como Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos, trabalha na interseção entre psicanálise e Trabalho. Tem experiência em trabalho com grupos, Avaliação Psicológica, na área Organizacional e na Condução de processos de Orientação Profissional.
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