Hotel Transilvânia 2, pensando sobre a relação netos e avós

28 de julho de 2020


Foto: Sony Pictures / Hotel Transilvânia 2 / Divulgação

Em Hotel Transilvânia 2 (2015), Conde Drácula vê sua família ampliando. Sua filha Mavis se casa com o humano Jonathan e com isso vem a chegada do neto Dennis, aumentando a família vampiresca. Drácula fica empolgado com a ideia da chegada do netinho, dizendo estar feliz com o que quer que ele seja, vampiro, humano ou até unicórnio. O nascimento de Dennis já o enche de alegria, assim como a expectativa para que suas presas apareçam para que ele seja um vampiro, mas pode ser que elas não apareçam e Dennis seja um humano.

Apesar de Drácula ter aceitado um genro humano, ele tem muita resistência em aceitar tudo relacionado a humanos. Ele está feliz que a família está crescendo, mas quer um vampirinho, alguém que continue seu legado, esquecendo-se que Dennis pertence a duas famílias, e que a história de seu neto carregará o legado de ambas. Sendo assim, Drácula fica na expectativa das presinhas nascerem, afinal em sua concepção, seu neto será como ele e todos os seus antepassados vampirescos. É apenas uma questão de aguardar e curtir o crescimento do neto.

As primeiras palavras de Dennis? “Blá, blá, blá”! Quem diria que a mania do avô seria as primeiras palavras do neto? Mas isso não deixa Drácula tão feliz, porque ele não fala isso o tempo todo, imagina! Coisa da cabeça dos outros... O importante para o avô é checar se as presas do neto já apareceram. A expectativa do Drácula em ter um neto vampiro o afasta do neto real e limita o relacionamento entre eles, enquanto Dennis lê essa expectativa, que não consegue atingir, como um defeito próprio, ele, Dennis não é “legal”.

Chegando perto dos cinco anos, as presas de Dennis ainda não saíram. Drácula torce para que ele seja apenas um “presinha presa”, ou do contrário pode ser que o convívio diário com o neto seja interrompido, pois Mavis acha melhor o filho conviver mais com humanos, já que se Dennis não tem presas deve ser porque é humano. As expectativas de Drácula o afastam de Mavis, que tem medo do filho sofrer por não as atingir. Para o avô aceitar a possibilidade de seu neto ser humano é perder a filha e o neto ao mesmo tempo, com eles se mudando e indo morar em outro lugar. Por outro lado, Mavis cogita a hipótese de afastar avô e neto pelo medo que ela tem da intolerância do pai ao que Dennis tem que é diferente do avô. Já Denis lê essa situação como sendo culpa sua, pois se ele fosse legal, seu avô ficaria feliz e ele não precisaria se mudar. E isso o faz sofrer.

Enquanto isso, Drácula sofre se questionando como vai ser caso eles se mudem. Como ele vai poder ensinar para o neto as músicas de ninar que ele conhece? As brincadeiras que ele fazia quando criança e que brincou com a filha? As tradições de ser um monstro? Para Drácula, seu neto merece ter a infância que ele teve e por isso decide pedir ajuda ao genro para ter um tempo a sós com o neto, para poder levar o neto para conhecer os lugares em que ele e os amigos viveram seus dias de assombração, dias esses tão passados a ponto dos próprios amigos não saberem mais ser tão assustadores como nas "antigas".

Drácula quer mostrar ao neto o que é ser monstro de verdade, mas sua visão de ser monstro é ultrapassada, não encaixa mais na realidade atual. Os monstros vivem em paz com os humanos, nem ele é o monstro que costumava ser! Ele precisava entender que os tempos são outros. Enquanto que, para Dennis, a aventura com o avô era uma diversão, tudo era brincadeira, ser monstro é divertido e comer bolo! Dennis confia no avô e se diverte na aventura que ele o leva, aprendendo com suas histórias e se divertindo com os cuidados que recebe.

Para ambos, o convívio entre avô e neto tinha uma série de benefícios. Era a oportunidade de Drácula aceitar os humanos de coração e romper com algumas tradições. Para Dennis era a oportunidade de conhecer as tradições, ter afeto e carinho. Uma relação em que os dois lucram e que nenhum queria perder, sentimento este marcado fortemente no filme no momento em que Drácula realmente aceita Dennis, apesar dele não corresponder às suas expectativas. A aceitação do avô permitiu ao neto se tornar quem ele era de verdade, sem a pressão da necessidade de atender às expectativas. Quantas pessoas são limitadas no seu desenvolvimento por serem oprimidas pelas expectativas de outros, principalmente figuras de referência?

Assim, o filme nos mostra o quanto é importante a convivência entre avós e netos, das crianças com os idosos, da criação desse vínculo familiar que muito tem a acrescentar no desenvolvimento da criança e na adaptação do idoso as mudanças da vida. O afeto que ambos podem compartilhar é precioso e marca a vida de cada um de forma singular. As histórias vividas juntas ou compartilhadas ao serem contadas constroem laços, assim fortalecendo a noção de família, passando as tradições familiares e criando novas. Sendo importante lembrar que o respeito genuíno entre as ambas as famílias, assim como às individualidades da criança, é fundamental para o desenvolvimento saudável. Convívio é um direito de avós e netos, mas é preciso que os adultos administrem suas expectativas, para que a criança tenha a oportunidade de se sentir amada e apta a ser quem verdadeiramente é, carregando o legado de suas famílias sem o peso e a opressão das expectativas.

O dano causado pela opressão proveniente das expectativas de pessoas de referência é muito sério e pode gerar cicatrizes que a pessoa carrega até a idade adulta. Como no caso de Drácula que, mesmo adulto, ainda tenta atender as expectativas do pai, mas que, por medo de que a intolerância dele venha destruir sua família, prefere se afastar de Vlad, deixando-o na fantasia de que o filho corresponde a suas expectativas. E podemos observar essa história se repetindo quando Dennis, mesmo atingindo a expectativa do avô, busca sua aprovação.

As famílias crescem, cada novo membro agrega coisas novas. Um neto carrega ao mesmo tempo o legado de duas famílias, além de suas próprias individualidades. Viver em família é uma oportunidade de desenvolvimento e amor para todos. Entretanto, se faltar respeito, pode-se gerar um ciclo de intolerância que atravessa gerações e afasta famílias. Portanto, é importante repensar as relações familiares para que se busque um ambiente saudável a todos que compõe a família.

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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise.  
Contato: (66) 99224-9686
Instagram: @vir_a_ser_Alyne

Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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