Girl: sobre não se sentir bem no próprio corpo

1 de setembro de 2020

 

Foto: Netflix / Girl / Divulgação

“Girl” é um filme belga de 2018, dirigido por Lukas Dhont e pode ser encontrado no catálogo da Netflix. É baseado na vida da bailarina Nora Monsecour.

O filme retrata a vida da jovem Lara, uma moça transexual de 15 anos que vai começar o processo de terapia hormonal, ou seja, começará a tomar hormônios femininos para dar início a sua transição corporal. Lara nasceu com o sexo biológico masculino, porém se entende e se sente como mulher. Por isso é considerada uma mulher transgênera.

Apesar de ter aceitação de sua família (tem um pai super afetuoso que a apoia) e ter toda uma estrutura de apoio (faz psicoterapia e tem acesso a tratamento médico), Lara se cobra demais nos treinos de balé de uma prestigiada escola de dança, recebendo sempre dos professores um “você tem potencial mas precisa treinar muito ainda”. Ela treina exaustivamente a ponto de ferir os pés dentro da sapatilha.

Além da autocobrança, Lara está extremamente ansiosa pelos resultados da terapia hormonal, verificando todos os dias se os hormônios já estão fazendo efeito, principalmente se os seios já estão se desenvolvendo. Ela quer se libertar, ela quer finalmente se sentir em um corpo feminino, condizente com seu gênero e para poder viver de forma autêntica. Porém, durante o filme percebemos sua timidez, seu jeito contido e discreto, como se ela estivesse sempre desconfortável na própria pele.

A jovem também precisa lidar com algumas limitações e dificuldades provenientes da sua condição de pessoa transgênera, como o uso do banheiro, a dúvida de tomar banho no vestiário com outras meninas, a preocupação em esconder o pênis, a repulsa em ver seu corpo no espelho, lidar com a curiosidade de outras pessoas e as descobertas afetivas e sexuais.

Lara por muitas vezes se machuca durante o filme, algumas dessas feridas são aceitas socialmente, como a cena inicial que mostra ela furando as orelhas sozinha para usar brincos. Outras cenas mostram os pés feridos quando ela tira as sapatilhas, resultado da autocobrança nos treinos de dança. Por fim, as cenas nas quais usa esparadrapo para esconder o pênis na roupa de balé, numa tentativa desesperada de eliminar o órgão que incomoda, pelo menos temporariamente, mostra uma rotina cansativa e dolorida, principalmente quando precisa arrancar o esparadrapo.

Quem está acostumado com enredos mais dinâmicos, cheios de reviravoltas e muitos estímulos visuais talvez se decepcione e ache o filme parado demais. Girl não é para te entreter ou te fazer passar o tempo com muita ação, ele te faz refletir e se aprofundar nos conflitos internos da personagem principal por meio de pouco diálogo e até pelo silêncio dela.

É um filme sensível que flui de forma natural, mostrando o dia a dia dos personagens sem floreios e os fenômenos como eles são. Se você gosta de filmes baseados em histórias de pessoas reais, fica a sugestão!

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Paloma Silva Galvão é psicóloga clínica com um pé na Gestalt-Terapia, especialista em Avaliação Psicológica, pesquisadora de assuntos sobre gênero, sexualidade, feminismo e LGBTQIA+, CRP 01/17447. 

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