Precisamos falar sobre Kevin (2012)

8 de setembro de 2020

 

Foto: Paris Filmes / Precisamos Falar Sobre Kevin / Divulgação

A adaptação da diretora britânica Lynne Ramsay do romance de Lionel Shriver, We Need To Talk About Kevin, o filme fala sobre as consequências de um atentado em uma escola em uma pequena cidade americana. Esse suspense psicológico se concentra e é totalmente focado em Eva (Tilda Swinton), a mãe do assassino, que nos conduz por fragmentos de suas memórias irregulares e confusas, girando em sua mente na tentativa de chegar a uma conclusão lógica sobre o que seu filho fez. 

Eva, durante todo o filme, muitas vezes parece estar em estado de choque. Seu corpo não consegue absorver mais punição. Ela é a pessoa errada, na vida errada, com o filho errado. Vive a existência solitária de uma pária, tentando permanecer o mais invisível possível em uma comunidade cujos moradores a perseguem, seja com olhares de desconfiança, seja por abordagens na rua com tapas furiosos, agindo como se ela, e não seu filho, fosse a real responsável pela atrocidade que aconteceu. A própria Eva, de certa forma, compartilha desse julgamento, até porque a violência de Kevin não foi um choque para ela.

No filme, Kevin é visto em três fases. Na primeira dela, quando bebê, ele sempre parecer estar com cólicas, irritado e chora incessantemente sempre que está sob os cuidados de Eva, que nunca consegue fazê-lo parar, e que em extremos de desespero e insônia, chega até a murmura para o menino satiricamente o quanto a “mamãe era feliz antes de Kevin aparecer". Esses momentos parecerem dar início ao primeiro tiro de uma longa campanha para destruir a felicidade e paz de espírito dessa mãe, principalmente ao notar o como a criança parecia ter reações positivas e afeto apenas no colo de Franklin (John C. Reilly), o pai. 

À medida que envelhece, Kevin se torna, para Eva e para o público, cada vez mais assustador. Entre as idades de 6 e 8 anos, demonstra ser um monstrinho inteligente e traiçoeiro. Para Eva é como se Kevin tivesse nascido com algum problema, ou desenvolvido algum tipo de raiva contra ela e que sua única alegria é atormentá-la, como se suas crueldades fossem planejadas, sempre tendo ela como público. Ele é temperamental, agressivo, zombeteiro e obtém um prazer extra com sua atuação do filho amoroso, que habilmente representa quando está com seu pai, que é irritantemente crédulo nessa versão ingênua do filho.

A essa altura, Eva está mais ou menos convencida de que Kevin está “danificado” e as coisas só pioram quando ela decide (sem consultar Franklin) ter outro filho, talvez na esperança de acertar, pela segunda vez. A filha resultante, Celia (Ashley Gerasimovich), é tudo que Kevin não é: feliz, efervescente, brincalhona e amorosa, uma filha que ambos os pais podem amar. É claro que Kevin a odeia instantaneamente e, longe de aliviar a tensão na família, a presença da irmã apenas dá a Kevin novas oportunidades de mostrar como ele pode ser um pequeno manipulador.

Quando se torna um adolescente, Kevin (Ezra Miller) começa a se parecer cruelmente com sua mãe no perfil e no penteado. Ele continuou sua rotina de filho amoroso e afetuoso com seu pai, e consegue deixar mais claro ainda que sua atuação de bom filho é uma charada destinada apenas a machucar Eva. Quanto mais ficamos presos nos detalhes do filme, mais percebemos o quanto Kevin desenvolveu seu dom de saber exatamente como ferir e enganar sua mãe. Somente próximo de completar seus 16 anos, Kevin aparece já planejando o atentado. Tudo parece sempre friamente calculado por ele, desde sua saída de casa para a escola naquele dia, até a cena de várias luzes de sirene de carros policiais que caminham pelos pensamentos de Eva durante todo filme. 

Esse filme é capaz de apontar uma conexão entre Eva e Kevin que desafia uma explicação fácil. Existe ressentimento, ódio e manipulação, mas também existem tensões estranhas de respeito. Eles se identificam de maneiras que nenhum dos dois está preparado para admitir, e esse vínculo desconfortável permite momentos surpreendentes de ternura relutante em um filme que de outra forma, seria brutal. O que é certo é que Eva é uma alma torturada, ela sabe que Kevin é uma semente ruim e não consegue consertar isso. Ela esperava diversa vezes que amá-lo fosse o suficiente para fazê-lo mudar, mas ela parecia saber também, no fundo, que não era, o que retoma a ideia de que ela se sentia culpada de alguma forma pelos acontecidos.

Apesar de achar o filme magistral, o título do romance é obviamente irônico, já que eles nunca chegam realmente a falar sobre Kevin, assim como apesar de ser notável alguns outros pontos bons a serem discutidos, cheios de questões sobre relacionamento familiar, maternidade, dificuldade de comunicação e afeto entre mãe e filho e os possíveis problemas decorrentes da depressão pós-parto, o diálogo é quase inexistente, tanto que eles mal chegam a reconhecer a gravidade do comportamento do menino desde a infância. Esse é um drama familiar emocionalmente pesado, mas que vale muito a pena assistir.

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Wilgna Maria Melo Costa, CRP - 22/02863, Psicóloga, especializada em Avaliação Psicológica e Psicodiagnóstico, com curso de extensão em TDHA e Desenvolvimento Humano. Atua com base na Terapia Cognitivo Comportamental e oferece atendimento para todas as idades.
Instragram: @wilgnamelo

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