Foto: Universal Pictures do Brasil / Beleza Americana / Divulgação |
Beleza Americana (1999) conta a história de Lester Burnham, um homem de 42 anos, com uma vida cômoda: tem uma família pequena, uma casa confortável, em uma comunidade segura e um emprego suficiente para pagar as contas e se manter. Mesmo tendo tudo aquilo que seria o sonho para muitas pessoas, Lester não está satisfeito. Considera sua mulher perfeccionista, e sua filha adolescente insegura e confusa. Só de olhar para sua mulher se sente exausto, demostrando não ver sentido em sua vida e em seu relacionamento.
Para Lester o inferno são os outros. Prova disso é a forma que encara seu emprego, demonstrando insatisfação com seus superiores e com a falta de justiça nas políticas de reconhecimento empresariais. Mesmo se esforçando para manter-se empregado, sua mulher e filha o consideram um perdedor. Não é para menos, Lester não está feliz com a vida e a leva de forma arrastada, sem energia ou motivação e está longe de ser sinônimo de sucesso em qualquer coisa.
Na roda da vida de Lester vários campos carecem de mais atenção e cuidado, a alienação de si mesmo é nítida, como se ele tivesse perdido a lembrança das coisas que tinham significado para ele. A falta de comunicação na família fica clara quando a filha diz que o pai não fala com ela há um mês. A química com a esposa parece não mais funcionar. Ele não tem hobbies, alguma atividade intelectual, amigos, comunidade de interesse ou dedicação à alguma causa. A vida de Lester está definitivamente estagnada, o que evidencia os problemas como se houvesse uma lente de aumento sobre eles, tornando-os difíceis de suportar.
Diante de sua insatisfação com a vida, Lester encontra-se frente a frente com um único recurso inconsciente acessível a ele para fazer as pazes com o mundo: se apaixonar novamente. Encontra como objeto de desejo a amiga da filha, também adolescente. Começa então a criar condições atraentes para que a menina se apaixone por ele. Afinal, ele precisa se tornar interessante, senão para ele mesmo (ou para seus pares) ao menos que seja para alguém com metade de sua idade e experiência.
A partir daí, o sangue volta a correr nas veias de Lester trazendo à tona a pulsão de vida. Tudo aquilo que antes estava esquecido na vida dele, ele busca resgatar e melhorar: uma relação positiva com a filha, fazer atividade física, buscar um trabalho que faça sentido e até um novo contato com a esposa. Pela simples presença da fantasia para impulsionar todas essas ações que ele antes havia deixado inertes por não encontrar motivos, por estar distante de si e de seu desejo.
No entanto, correr atrás dos prejuízos não foi um empreendimento fácil e exigiu de Lester mais do que ele tinha de recursos para conseguir. Suas investidas em relação a esposa só lograram um maior afastamento e tentar entrar no mundo da filha aumentou o desprezo que ela tinha pelo pai, pois ele não tentava disfarçar suas investidas de conquista para cima da amiga. O nível de agressões entre os membros daquela família que antes eram somente verbais e comedidas, desta vez aumentaram exponencialmente, tornando-se atos graves e reais, ao ponto de a filha pedir a morte do pai.
O interdito da realidade, inflexivelmente, mostra a Lester que é mais fácil conquistar um novo alguém do que reconquistar quem já se tem. Restando, então, a Lester fazer novos amigos. Suas atitudes no decorrer do filme tomam um aspecto de libertação como se Lester estivesse se livrando de uma grossa camada de maquiagem e transparecendo quem ele realmente é. Como sua vida parecia estar esvaziada de significados relevantes, todos as estratégias que ele utiliza para se reencontrar, mesmo que deslocadas dos comportamentos esperados de um homem de 40 anos, o ajudam: fumar maconha, paquerar a amiga da filha, pedir demissão.
Porém, conforme sua existência vai tomando sentido, ele percebe que verdadeiramente não gostaria de concretizar um romance com Ângela, a amiga da filha. Entendendo que, de fato, sua necessidade era refazer a vida, gerar mudanças. E todas suas insatisfações foram catalisadoras deste processo de autodescoberta.
Independente do final, essa história nos instiga a refletir que a vida, quando levada de forma automática, causa um afastamento em relação as pessoas de quem somos mais íntimos, podendo gerar uma perda da razão de existir no mundo. A forma como Lester e sua família se relacionava com o mundo e entre eles, aparentemente, gerava uma imagem de "família perfeita" mesmo que desprovida de sentido e de conexão. O filme nos possibilita confrontar estes aspectos da realidade desta família nos mostrando uma imagem diferente das aparências. Colocar essa, e outras situações, em perspectiva pode gerar uma outra forma de ver, de se relacionar, de se conectar consigo, com o mundo, com a família e com as coisas que um dia fizeram sentido.
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Cinthia Regina Moura Rebouças, psicóloga, CRP 23/001197, atende em consultório particular, adolescentes e adultos, com ênfase psicanalítica, em Palmas-TO. Possui MBA em Gestão de Pessoas (FGV), experiência como Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos, trabalha na interseção entre psicanálise e Trabalho. Tem experiência em trabalho com grupos, Avaliação Psicológica, na área Organizacional e na Condução de processos de Orientação Profissional. Acompanhe seu trabalho em: Facebook: facebook.com/empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi Instagram: @empqnasdoses |
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