Viva – A Vida é uma Festa, a cultura e as tradições familiares em pauta

24 de novembro de 2020

 

Foto: Disney/Pixar / Buena Vista / Viva - A Vida é Uma Festa / Divulgação

Em “Viva – A Vida é Uma Festa” (2017), Miguel é um garoto de 12 anos que sonha em ser músico como o famoso Ernesto De La Cruz, mas sua família tem a tradição de fazer sapatos e se manter afastada da música. A música é proibida em sua família, pois o seu tataravô deixou a família pela música, largando a esposa e a filha pequena Inês em sua cidade natal, o que obrigou sua tataravó Amélia a empreender no ramo de sapatos para sustentar sua família. 

Fabricar sapatos é o destino e o orgulho da família Rivera. Entretanto, Miguel não quer esse destino, ele quer ir atrás do seu sonho. Repudiar a música virou uma cultura dentro da família Rivera, os membros não cantam, não tocam, não escutam e nem se aproximam de música. Aquele que é "tentado" pela música é "protegido" pelos demais. Mantendo-se, assim, um ciclo de ódio e preconceito que passa de geração em geração de forma acrítica e que acaba trazendo sofrimento e limitações a seus membros.

Dentro de uma família são ensinados e reforçados valores, crenças, e até sentimentos, pré-conceitos e mágoas. A todos esses ensinamentos passados de geração a geração dentro de uma mesma família chamamos de cultura familiar. A cultura familiar é importante para se manter as tradições, histórias e até pessoas vivas nas memórias dos familiares. Contudo, alguns elementos que essa cultura carrega podem não ser saudáveis e, consequentemente, adoecer a família, limitar os indivíduos, e se tornar um peso ou mesmo um castigo: "Tem horas que me sinto castigado por uma coisa que aconteceu antes mesmo deu nascer" é com essa frase que Miguel começa a narrar a história do filme.

Miguel ama música e criou formas de conseguir ouvi-la de vez em quando, se escondendo e fugindo de sua avó Elena, filha de sua bisavó Inês, mesmo que ás vezes fosse pego quebrando a tradição familiar de renegar a música. Revoltado em ter que seguir essa tradição até os dias atuais, Miguel decide correr atrás de seus sonhos e participar do festival de talentos que irá ocorrer na noite do Dia dos Mortos, o dia em que sua família, assim como todas as famílias do México, está preparando as oferendas para receberem a visita dos espíritos de seus antepassados. Porém, acaba se metendo em algumas confusões dentro de casa por conta disso.

Fã do grande músico Ernesto De La Cruz, após quebrar acidentalmente um porta-retratos com a foto de sua tataravó, Miguel passa a ter uma pista de quem poderia ser seu tataravô, já que não se falava seu nome e a foto que estava em suas mãos estava com a cabeça de seu tataravô rasgada. A foto o faz descobrir que o violão de seu tataravô era o mesmo instrumento do seu maior ídolo. Miguel passa a crer que De La Cruz é seu tataravô e isso lhe dá forças para ir atrás de seu sonho.

Na hora do concurso a ausência de um violão o impede de participar. Com isso, ele decide pegar emprestado o violão no túmulo do De La Cruz, já que sendo seu tataravô não se importaria com esse empréstimo, pensou o menino. Entretanto, o furto leva ele com seu fiel amigo Dante, um cãozinho de rua, para o mundo dos mortos, na condição de menino vivo, pelo menos se conseguir sair de lá antes que passe a pertencer ao lugar. Lá Miguel encontra com seus antepassados, sua família já falecida.

Para retornar com vida ao mundo dos vivos Miguel precisava ser abençoado por um familiar morto com uma pétala de calêndula, a flor que conecta os dois mundos. Amélia, tataravó de Miguel, aceita abençoa-lo, mas apenas com a condição dele manter a tradição familiar de não se aproximar da música, mesmo que isso custe a felicidade ou a vida do garoto. Miguel prefere arriscar a vida e se aventurar no mundo dos mortos atrás de um familiar que abençoe a ele e ao seu sonho, do que retornar ao mundo dos vivos preso a um destino que ele não deseja. Assim, Miguel decide fugir de seus antepassados e ir atrás de De La Cruz para conseguir sua benção e voltar para casa.

Miguel não era capaz de entender o porquê dessa tradição continuar sendo passada adiante. Os não ditos e segredos relativos a tradição familiar de renegar a música com base em ressentimentos passados estavam afastando ele de sua família. A própria avó Elena estava mais preocupada em não chatear sua mãe Inês, com isso apenas repetindo o legado deixado por Amélia sobre o pretexto de que a música afastou a família e os sapatos uniram, então a música passou a ser proibida. Elena só queria manter a família unida e acreditava que a medida que o neto Miguel entrasse no mundo dos sapatos iria se conformar e entender a importância da vida familiar. Então, não estava disposta a ouvir o que Miguel tinha a dizer, ela não precisava entender, e sim ele que tinha que entender a tradição familiar. Ambos, Miguel e Elena, estavam fechados ao diálogo.

Tanto no mundo dos vivos quanto no mundo dos mortos, a aventura de Miguel passa a ser solo por não querer seguir a tradição familiar, assim perdendo um importante ponto de apoio: a família. A família tem influência na vida de cada um, ou nos passando o que vamos dar continuidade ou nos oferecendo ciclos que desejamos romper. Romper com a família leva a perda de uma parte da rede de apoio. Mas será que não seria possível romper com uma tradição familiar que limita o sujeito em sua felicidade e no seu processo de vir a ser sem precisar perder a família? Sim, é possível, quando as portas para o diálogo e para o entendimento mútuo estão abertas.

Ter uma visão crítica das tradições familiares nos auxilia a avaliar qual a importância de segui-las e quando é possível e necessário rompe-las. Tanto o manter quanto o romper é fácil quando há um apoio familiar, pessoas com quem podemos contar e que também precisamos acolher. Aceitar e entender a história passada da família é uma forma de acolher aqueles que estão próximos de nós e nos permite tentar mostrar nosso ponto de vista. Para Miguel foi necessário demonstrar para a sua família que ele compreendia a importância de ser família para que tivesse uma oportunidade de mostrar o seu lado e mostrar a avó Inês e aos Rivera que alguns ciclos existem para serem quebrados.

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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. 
Contato: (66) 99224-9686
Instagram: @vir_a_ser_Alyne

Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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