Foto: Netflix / Mãe e Muito Mais / Divulgação. |
“Participamos de todos os grandes momentos. E agora é um milagre quando eles nos contam algo”. Essa constatação de Carol Walker no início do filme “Mãe e muito mais” (2019) já deixa claro o que está por vir. Carol, Gillian Lieberman e Helen Halston são três amigas que se conheceram a partir da amizade dos filhos. Criaram e acompanharam o crescimento dos três amigos, enquanto formaram laços que permaneceram até quando os rapazes cresceram e saíram de casa.
Agora, com os filhos adultos, se sentem deixadas de lado, ao ponto de não receberem nem uma mensagem de parabéns no dia das mães. Revoltadas com essa ausência dos filhos adultos, partem em uma jornada para Nova York, onde eles moram atualmente, sem avisá-los para passar um tempo com os eles. Cada uma é recebida de uma maneira diferente, assim como a coragem de cada uma em bater na porta do filho não é igual.
Carol é a primeira ser deixada na casa do filho, um bom apartamento desorganizado e sem comida na geladeira. Matt trabalha para uma revista masculina como diretor de arte, não tem um relacionamento fixo e viveu se sentindo pressionado pelos pais para ser o melhor. Enquanto isso, Carol é uma viúva que está se sentindo solitária, deixada de lado e ainda em luto pela perda do esposo.
A segunda a chegar no destino é Helen, que se quer tem coragem de tocar a campainha a primeira vez que se depara com a porta, dormindo a primeira noite em um hotel. Seu filho Paul mora com o namorado e com mais outro casal. Ele se sente abandonado pela mãe desde que os pais se divorciariam e tem dificuldade de lidar com o jeito dramático e passivo-agressivo de sua mãe. Para Helen, a separação de Larry foi dura, a deixou sem chão, sem autoestima, a fez focar na imagem que gostaria de ter de si mesma e em suas inseguranças. Por conta da dificuldade de se comunicar, a distância entre ela e o filho apenas foi aumentando com o passar dos anos.
A última a chegar na casa do filho foi a bisbilhoteira Gillian. Além de vigiar as redes sociais do filho até ser bloqueada, está certa de que sabe o que é o melhor para Daniel a ponto de querer tomar decisões por ele sobre como ele deve viver e com quem deveria se relacionar. Assim, Daniel vive a vida perdido profissionalmente e ainda apaixonado pela ex-namorada, a qual a mãe não gostava e não apoiava o relacionamento. Por não conseguir encontrar o filho de início, vendo-o só no dia seguinte, já que ele evita atender suas ligações e prefere distância da mãe, Gillian acaba dormindo todas as noites da viagem em um hotel.
Os três rapazes recebem suas mães de forma desconcertada. Eles estavam morando em outra cidade, vivendo a vida conforme as oportunidades foram aparecendo, com exceção de Daniel que foi deixando várias passar, quando se depararam com as mães em suas portas sem aviso, ficando sem entender o que estava acontecendo. Por outro lado, as mães estavam receosas da reação, com medo de não serem recebidas, já que a viagem era um recurso para matar a saudade de seus filhos que não davam muitas notícias. A falha na comunicação estava clara.
Carol, Gillian e Helen estavam enfrentando a síndrome do ninho vazio, ou seja, estavam sentindo a casa muito grande sem os rapazes, destituídas do papel de cuidado que tinham quando exerciam presencialmente o papel de mãe. Estavam se sentindo a “outra” e não a “mãe”, como foram durante muitos anos. Com isso, foram tentando bolar estratégias para preencher o vazio de não serem mais mãe em tempo integral, de ser mãe apenas no momento em que o filho adulto, crescido, requisita.
Estando em Nova York para sentirem que estão perto dos filhos, mesmo que em uma curta viagem, foram obrigadas a encarar a realidade de que eles cresceram e têm feito as próprias escolhas, mesmo que com algumas inseguranças. Para que a estadia fosse suportável, precisavam aprender a ouvir os próprios filhos e entender que a rotina deles não é mais a mesma de quando moravam com elas. A dura realidade estava ali diante delas: os filhos mudaram e a vida delas também estavam mudando.
Aceitar que a vida havia mudado foi um processo de autodescobrimento que elas passaram, ao mesmo tempo em que tinham a oportunidade de conhecer as pessoas que seus filhos se tornaram, homens adultos independentes. Em contrapartida, os amigos Matt, Paul e Daniel também estavam tendo a oportunidade de ver suas mães com outros olhos, não eram nem tão santas, nem tão terríveis quanto eles lembravam, eram apenas humanas, também se sentiam só, também tinham seus traumas e suas inseguranças, e queriam uma oportunidade de se divertir um pouco.
Durante o filme vemos o quão solitário pode ser para mães e pais ver seus filhos saírem de casa e ter uma vida própria e independente. A companhia que se tinha em casa, os momentos de orientação ou briga, acompanhar diariamente os melhores e piores momentos dos filhos é parte da vida dos pais. Ser mãe ou pai é uma grande responsabilidade, é fazer parte do desenvolvimento de outro ser humano e ainda ser cobrado pela sociedade se a criança se tornou uma pessoa realizada, de bem, ou não.
Os papéis materno e paterno vão se alterando e moldando com o passar dos anos dos filhos até o momento em que os filhos se tornam adultos e esses papéis mudam. Ter filhos adultos é aceitar as mudanças da vida, é entender que a relação entre pais e filho muda, se transforma, deixando de ter aquela relação de poder, de autoridade, para uma relação mais igualitária, em que ou se constrói uma amizade com diálogo e respeito, ou se afasta daqueles que se quer manter perto. A casa física pode ficar vazia, desde que o lar interno continue sendo habitado. Uma lição as vezes dura de se aprender. Foi aprendendo essa lição que Carol, Gillian e Helen conseguiram se aproximar novamente de Matt, Paul e Daniel, formando laços que permitiram a elas serem quem são e reconhecerem quem eles se tornaram.
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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses |
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