O Pequeno Príncipe, uma história sobre intimidade

5 de janeiro de 2021

 

Foto: Paris Filmes / O Pequeno Príncipe / Divulgação

Quando escutamos o termo intimidade comumente ligamos a questão do contato físico íntimo entre casais, mas a verdade é que intimidade vai além disso. No filme “O Pequeno Príncipe” (2015), uma menina e sua mãe estão tentando conquistar uma vaga em uma renomada escola a qualquer custo. Após fracassar na primeira tentativa, a mãe decide mudar de casa e organizar um plano de estudos para que a menina tenha a possibilidade de tentar novamente.

Como mudar de casa não é fácil, a mãe aproveitou o desconto de uma casa por ser próxima a um vizinho problemático. Chegando a casa nova, a mãe organizou todo o planejamento de horário da menina pelas próximas semanas, mostrou para ela e foi trabalhar. Enquanto a mãe estava fora, uma explosão no quintal do vizinho joga uma hélice pela casa a dentro da menina e, assim, ela tem o primeiro contato com o vizinho: um aviador já idoso, que mora em uma casa cheia de itens acumulados e que oferece uma jarra de trocados para pagar pelo inconveniente.

Após essa distração, a menina retornou ao seu cronograma, realizou seus estudos e a noite recebeu um aviãozinho de papel do vizinho com o início da história do pequeno príncipe que a estimulou a querer saber mais. O pequeno príncipe morava em um pequeno asteroide e todos os dias precisava cuidar do solo para que os baobás não destruíssem o planeta e um dia brotou do solo uma rosa. Até então o príncipe vivia só, cuidava apenas de si e do asteroide, mas com o surgimento da rosa precisou aprender a cuidar de um outro ser, a rosa, para protege-la do frio e dos baobás. A rosa era bastante exigente, fazia muitos pedidos, mas não sabia expressar seus sentimentos.

Ao cuidar da rosa, o pequeno príncipe não percebeu que estava criando uma relação de intimidade com ela. A cada cuidado, ambos se tornavam mais próximos, entendiam mais sobre as necessidades um do outro e percebiam suas vulnerabilidades. Mas por não saber expressar seus sentimentos pelo príncipe, a rosa acabou o afastando dela. A decisão tomada pelo príncipe por não entender os sentimentos da rosa foi viajar pelo universo para entender melhor o que estava acontecendo. Porém, tentar entender os sentimentos dos outros buscando uma explicação fora pode ser pouco eficiente e põe em risco o laço criado. É ao sair do asteroide que o pequeno príncipe percebe que o que procurava estava lá o tempo todo, dentro de si e da relação com a rosa, mas que não havia percebido antes.

Em sua viagem pelo universo, o pequeno príncipe conheceu outras pessoas que estavam sozinhas em seus asteroides: um rei que exigia ter seu poder reconhecido pelos súditos, um homem vaidoso que estava à espera da oportunidade de ser aplaudido, e venerado e um homem de negócios que só valorizava o que poderia ser transformado em bens e riquezas monetárias. Até que chegou na Terra e teve a oportunidade de conhecer a cobra, que prometeu que o levaria de volta a seu planeta quando ele quisesse, e, após uma caminhada, conheceu uma raposa, que só permitiu que ele se aproximasse após aceitar cativá-la, ou seja, caso ele criasse laços. É com a raposa que o pequeno príncipe passa a entender o que é criar laços, se tornar íntimo de alguém e que é a intimidade que torna as pessoas únicas, não por serem únicas no mundo, mas por serem únicas e especiais para alguém, afinal, “o essencial é invisível aos olhos”.

Enquanto ouvia a história do aviador, a menina e ele criaram um laço de amizade, o que acabou a tirando da vida no automático que vivia e a fazia não ter um pensamento próprio e nem saber o que queria ser quando crescesse. A intimidade entre os amigos a permitiu aproveitar um pouco de suas férias para brincar, rir e aprender sobre esperança, mas também a ensinou sobre a importância de se cultivar e guardar as lembranças de pessoas queridas em seu coração. Porém, sua mãe estava preocupada com outra coisa que lhe parecia essencial: ter boas notas e um futuro de sucesso, custasse o que fosse. Então, via a amizade que a filha tinha feito como uma perda de tempo e que só deveria ser vivida quando a menina já tivesse passado no processo de admissão da escola. A mãe estava sempre trabalhando e não tinha tempo e nem estava cuidando do laço com a filha, apenas do que ela acreditava ser o futuro que a filha deveria ter. Pensava que assim estava fazendo o melhor que podia para a filha.

Criar laços de intimidade geram responsabilidade, exigem dedicação e tempo, e nos deixa vulneráveis a sentir dor caso o outro decida ou tenha que partir. O medo dessa vulnerabilidade pode tornar as pessoas receosas de se abrir, chegando a construir barreiras impenetráveis para se sentirem seguras e fora de riscos. Mas, esse distanciamento também gera solidão e pode nos fazer perder pessoas queridas por não ter falado a elas a importância que tem nas nossas vidas. 

Intimidade é deixar que o outro conheça as nossas fragilidades e nossos pontos fortes, ao mesmo tempo que conhecemos os dois lados do outro. É criar um laço forte com alguém e nos responsabilizar pelo laço criado. Permitir que a intimidade seja construída, que os laços sejam formados, cativar as pessoas para torna-las únicas em nossas vidas são desafios grandes, independente da nossa idade. Apesar do desafio, tem seus benefícios, como aproveitar a presença de quem amamos, criar memórias de bons momentos e ter quem nos auxilie ou pelo menos nos acompanhe nos momentos difíceis. Os laços que criamos são invisíveis aos olhos, mas podemos sempre encontrá-los e senti-los nos nossos corações. E precisam ser cuidados para mantê-los próximos e vivos, lição essa que o aviador teve a oportunidade ensinar a menina e a sua mãe.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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