Foto: Happiness Distribution / Incêndios / Divulgação. |
Julgar uma pessoa quando temos conhecimento de apenas uma parcela de sua história é ato corriqueiro, até automático. Quando essa pessoa tem um papel central em nossas vidas, como é o caso de nossos pais, é comum e até, pasmem, esperado.
Na história de Incêndios (2010) não poderia ser diferente. A história da família de Nawal, mãe dos gêmeos Simon e Jeanne, é tão imersa em mistérios que os filhos não titubeiam em supor e criar resistências em relação a vida da mãe. Por desconhecerem seu passado, não conseguem compreender a forma da mãe pensar e acabam gerando mágoas dela.
Ao compararem as ações da mãe real com as idealizações que ambos têm do que ela deveria ser, a subestimam e a colocam em papel inferior, como alguém que simplesmente é incompreensível e inadequada por não satisfazer o papel do qual eles consideram ser uma boa mãe.
Nesta atmosfera que ambos os filhos de Nawal se deparam com pedidos que consideram estapafúrdios, ou típicos da mãe. Em cartas deixadas após sua morte, Nawal deixa a incumbência a Jeanne de entregar uma carta para o pai que nunca conheceu e solicita a Simon que entregue a dele para o irmão que nunca soube que tinha. Mesmo contrariados pelas cartas deixadas pela mãe, eles são encorajados a satisfazerem esses pedidos e, para isso, precisam se deslocar através de pistas de um passado já apagado. Há muito deixado para trás.
Em meio a isso tudo, surgem conclusões a respeito da mãe que não se confirmam verdadeiras e eles precisam mergulhar em toda a história de vida de sua família. Enquanto Simon se revela reticente em navegar pelo passado da mãe, Jeanne não pensa duas vezes antes de embarcar em uma viagem sem volta e sem tempo de duração. Só através deste trajeto Jeanne pôde descobrir quem de fato foi sua mãe. Os gêmeos veem tudo aquilo que sabiam e pensavam sobre sua mãe virar fumaça e este sim é o incêndio que o título faz referência.
Todos os não ditos e os segredos jogados embaixo do tapete emergem à tona e fazem os irmãos repensarem sua vida e a relação com a memória da mãe. Possibilitando várias reflexões, inclusive refletir que ao descolarmos um comportamento da história de uma pessoa, acabamos por reduzi-la a algo distante da realidade. Uma análise sem contexto é classificação e bem sabemos que grande parte das classificações servem para organizar, porém são superficiais. Um filho que não conhece a história de um pai não é capaz de entendê-lo. Podendo levar a pensar sobre questões relativas à nossa própria história, a origem, o poder da verdade, a ressignificação e reconstrução das histórias que contamos para nós.
E aqueles que acreditam conhecer a história de qualquer outra pessoa ou as causas de seu comportamento, arrisco dizer que, dos outros apenas supomos. Mesmo com contexto, imagine sem! É necessário considerar que pais e mães também são pessoas que falham, magoam-se, erram e se arrependem. E que, na maioria das vezes, sabemos apenas um recorte da história daqueles que nos colocaram no mundo, temos acesso apenas a uma versão, a uma parte daqueles seres, apenas uma parte. Dependendo dessa versão teremos maior facilidade ou aversão de conexão com nossas raízes e conosco mesmos.
Cinthia Regina Moura Rebouças, psicóloga, CRP 23/001197, atende em consultório particular, adolescentes e adultos, com ênfase psicanalítica, em Palmas-TO. Possui MBA em Gestão de Pessoas (FGV), experiência como Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos, trabalha na interseção entre psicanálise e Trabalho. Tem experiência em trabalho com grupos, Avaliação Psicológica, na área Organizacional e na Condução de processos de Orientação Profissional. Acompanhe seu trabalho em: Facebook: facebook.com/empqnasdoses Facebook: facebook.com/daoplaypsi Instagram: @empqnasdoses |
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