Foto: Searchlight Pictures Disney / Nomadland / Divulgação. |
Fern construiu uma vida com seu esposo Bo na cidade de Empire, Nevada. Bo trabalhou sua vida toda em uma fábrica de materiais de construção, a US GYPSUM. O casal morava em uma casa corporativa, viveram um para o outro, mas quando a empresa fechou a fábrica na cidade, a cidade morreu. Acompanhamos no início do filme Nomadland (2020) Fern se preparando para começar seu trabalho temporário na Amazon. Desde o fim da fábrica e a morte de Bo, Fern fica revezando em empregos temporários para sobreviver. No decorrer do filme vamos acompanhando sua vida como uma nômade nos Estados Unidos.
Fern tem a oportunidade de conhecer pelo caminho outras pessoas nômades. Cada um com seu motivo para estar vivendo assim. Uma de suas companhias no caminho é Linda May, que começou seu caminho em busca de uma forma mais barata de viver depois de se aposentar e não ter uma pensão que dava conta de sustentar seus gastos anteriores. Assim, Linda May optou por viver de uma forma mais economicamente sustentável como nômade. Para Fern não era tão diferente, ela gosta de trabalhar e não conseguiria viver da pensão caso tentasse se aposentar antecipadamente. Viver como nômade é o mais financeiramente viável em seu caso.
Fern já havia passado por muito empregos na sua vida, e vivendo como nômade tem a oportunidade de trabalhar em áreas diferentes, muitos desses serviços considerados braçais ou na área de atendimento ao cliente e serviços gerais. Fern não parece se importar com o que for fazer no emprego, está mais preocupada em ter um trabalho. Sua van passou a ser sua casa quando ela saiu de Empire e os lugares pelos quais estacionou lhe permitiu conhecer várias pessoas diferentes. Com isso, foi se apegando a nova casa sobre rodas que aos poucos foi deixando com a sua cara.
Há quem estivesse na estrada por não ter para onde ir, há quem estivesse fugindo de um passado, bem como também havia quem estivesse ali para cumprir uma última aventura. Mas algo era inegável: todos ali tinham passados por perdas e arrependimentos. Fern se arrependia de ter vivido uma vida em uma única cidade e ainda sofre com a perda do esposo. Não está pronta para fazer vínculos duradouros, mas disposta a fazer vínculos profundos por pouco tempo. Estando na estrada teria a sua liberdade de ir e vir e sempre poderia reencontrar as pessoas queridas que conheceu.
Tanto Fern quanto outros nômades que aparecem no filme veem a estrada como sendo uma forma de ter liberdade, seja do que algum dia lhes prenderam em algum lugar, seja de pessoas que não estão por perto, mas sentem saudade, ou mesmo dos sonhos que deixaram para traz. Por isso, mesmo tendo oportunidade de se estabelecer em alguma casa, para Fern sua casa é sua van. Ela não consegue mais se vê dentro de uma casa com paredes e cercas que não seja a que ela viveu sua vida em Empire, nem quer se limitar a um único lugar quando pode ir e vir para onde quiser. O que lhe leva a desapegar de bens, objetos pessoais, pessoas, lugares e ideias que tinha sobre como a vida deve ser, sem desapegar de seus sentimentos e emoções em relação ao passado, presente e futuro. Fern ainda sofre por tudo aquilo que perdeu.
A jornada de Fern, de cidade em cidade, de emprego em emprego, é em busca por um sentido para sua vida. Um sentido que parece estar sempre na próxima cidade, no próximo emprego temporário, nas próximas pessoas que irá conhecer. Ficar parada em Empire não lhe garantiu uma felicidade eterna. Se manter em uma cidade não lhe garantiu a estabilidade de não precisar deixar a própria casa quando a cidade deixou de existir. O que ela perdeu junto com a cidade lhe tirou o sentido de ter um lugar fixo. E depender de alguém não é uma opção para ela. Uma coisa é trocar objetos com outros nômades, outra é se ver em uma situação em que dependa de outra pessoa para ter uma moradia com endereço fixo.
Nomadland (2020) é uma história sobre pessoas, suas lutas e o que querem deixar para traz para conseguir seguir em frente, criando assim seus próprios caminhos. Um filme que nos convida a reflexão sobre como estamos vivendo nossa vida e que marca queremos deixar no mundo, bem como a que estamos nos apegando e o que precisamos desapegar. Além disso, há várias questões sociais representadas, como as dificuldades financeiras, de assentamento e limitações de ações protetivas para pessoas em situação de vulnerabilidade.
As perdas e arrependimentos da vida podem nos fazer perder de vista quem somos. Onde vamos nos reencontrar? Vai depender de cada um! Para alguns, serão as pessoas que vão encontrar no caminho, para outros são os retornos a lugares que se sentem bem. Pode ser também o se encontrar novamente na própria família, talvez assumindo um novo papel. Há quem se sinta confortável por não se prender a lugar nenhum. Alguns caminhos encontramos por escolha, outros por necessidade. E você, quais caminhos gostaria de encontrar? O que precisa para conseguir seguir em frente? Quais perdas e/ou arrependimentos tem guiado suas escolhas? A que ou a quem tem se apegado? Que caminhos você tem construído? Essas reflexões trazem um autoconhecimento que faz toda diferença.
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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses |
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