Os 7 de Chicago e situações de liderança e pressão

9 de abril de 2021

Foto: Netflix / Os 7 de Chicago / Divulgação.

Em 1968, os Estados Unidos estavam intensificando os ataques ao Vietnã, recrutando e enviando cada vez mais jovens para a guerra. Com isso, grupos de jovens antiguerra estavam se formando e alguns desses grupos decidiram protestar em frente a Convenção Nacional Democrata em Chicago. Junto a eles, outros grupos pacifistas também tinham esse objetivo, cada qual com ideias diferentes de como protestar. Até onde esse grupo de pessoas seriam capazes de se unir e agir por um ideal comum? Assim começa o filme “Os 7 de Chicago” (2020).

O desenrolar da história se dá mesmo durante o julgamento em 1969 de 8 rapazes, sendo acusados de formação de quadrilha e incitar tumultos: Bobby Seale (líder do grupo ativista Panteras Negras), Tom Hayden e Rennie Davis (líderes do grupo Estudantes por uma Sociedade Democrática - SDS), Dave Dellinger (líder da Mobilização para Acabar com a Guerra no Vietnã – The Mobe), Abbie Hoffman e Jerry Rubin (líderes do Partido Internacional da Juventude - Yippies), John Froines e Lee Weiner.

O que era para ser um protesto pacífico se tornou um confronto da polícia com os grupos que estavam ali para protestar. Mais de 400 manifestantes ficaram feridos em mais de um dia de protestos, brigas e confusões. No final, os 8 rapazes se tornaram os acusados de organizar o tumulto e interferir na democracia do país. E o julgamento que vemos durante pouco mais de duas horas de filme nos faz questionar o papel de cada um dentro do protesto e o papel das lideranças frente ao grupo que lideram.

O que todos os 8 queriam? Ter a voz ouvida, lutar pacificamente contra a guerra e poder mostrar sua indignação. Mas, enquanto grupos distintos, tinham meios e crenças diferentes sobre como isso poderia ser feito. Alguns acreditavam em um movimento menor, outros em fazer show e ainda tinham os que queriam apenas ter espaço para sua fala. Os ideais eram parecidos, mas eles eram diferentes. O encontro entre todos esses grupos e lideranças distintas formou um grupo maior, com várias lideranças atuando em conjunto, alguns com pensamentos até contraditórios, o que tornou difícil para eles manterem a organização da manifestação, o que culminou em tornar os líderes acusados de crimes.

Não foi um julgamento fácil. Desde o início vemos um juiz parcial, já tendencioso para uma resposta e tentando liderar o júri para o mesmo entendimento que ele. O júri parecia ter sido escolhido para garantir a condenação, o que levantava a suspeita da legitimidade das acusações. Uma sucessão de situações que favorecia de forma questionável o lado da acusação ocorreu, levando ao questionamento de um julgamento político. 

Os 5 rapazes que tiveram mais destaque à frente da organização da manifestação e que foram os grandes alvos do julgamento foram: Tom, Rennie, Dave, Abbie Hoffman e Jerry Rubin. Assim como o pensamento político eram diferentes, a forma que cada um encarava estar no julgamento era diferente. Estavam os cinco sobre grande pressão, mas Tom estava com medo do que aconteceria com ele, Rennie temia esquecer o motivo da luta, Abbie e Jerry viam como uma oportunidade de protestar frente uma autoridade jurídica e quem estivesse acompanhando e Dave procurava manter a calma para sair dali o mais breve possível. Essa pressão também era vista nos advogados, que frequentemente tinham o trabalho atrapalhado pela parcialidade do juiz.

Os dois advogados de defesa se viam precisando tomar decisões para contornar cada novo problema que aparecia no julgamento. Por outro lado, o promotor que estava defendendo o caso sabia que um relatório da investigação apontava a polícia como fonte do início do tumulto, mas precisava cumprir com seu dever junto ao seu chefe e a autoridade superior. A pressão também estava sobre ele que tinha que atender a expectativa de seus superiores de que os jovens fossem condenados.

Bobby Seale enfrentava um problema a parte. Foi a Chicago para um discurso, passou apenas 4 horas lá. Mas era o único que estava preso. Seu direito a ter um advogado de defesa próprio foi negado pelo juiz, assim como seu pedido de autodefesa. Teve seu direito a fala negado várias vezes e passou por situações degradantes durante o julgamento. Seus direitos foram violados na frente de todos da corte e mesmo sabendo que precisava controlar suas reações para não se complicar ainda mais, perdeu a calma em vários momentos. Seu pedido para ser julgado em separado só foi concedido após o promotor questionar o juiz por permitir que os policiais batessem, prendessem as mãos e pés de Bobby e o amordaçassem para que ele ficasse calado frente ao juiz, sem atrapalhar o andamento da seção. Para completar, os dois advogados de defesa dos outros 7 chamarem o juiz de racista pelas atitudes que teve com Bobby durante todo o julgamento.

Muitas emoções são mostradas em tela durante o filme. Algumas de medo, preocupação, raiva e indignação, mas algumas falas dos 8 rapazes mostravam esperança em um mundo mais justo. Mas como cada um tem uma postura diferente para mostrar isso, é normal para quem acompanha ao filme se simpatizar mais pela ideologia de algum dos personagens mostrados em tela. Não nos cabe julgar quem é o certo ou o errado no campo das ideias, mas vale a reflexão sobre o quanto temos condições de lidar com situações de pressão, liderança e de manter um julgamento imparcial, baseado em fatos e não em opiniões.

No caso do filme, vemos uma ação com consequências em grande escala, sendo um dos julgamentos mais famosos dos Estados Unidos, já que o filme é baseado em fatos reais. Mas fazendo um paralelo com questões micro, será que nas pequenas situações do dia a dia temos sido preconceituosos? Temos buscado soluções com menos impacto para os problemas que enfrentamos? Estamos conseguindo lidar bem com as emoções em momentos de pressão? Sabemos exercer ou respeitar posições de liderança? Por mais que sejam em situações pequenas, a dificuldade de lidar com essas questões pode gerar pequenas guerras pessoais que atrapalham a criação de vínculos saudáveis entre as pessoas, gerando efeitos em larga escala.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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