Adeus, Christopher Robin - uma reflexão sobre vínculos familiares

18 de junho de 2021

 

Foto: Searchlight Pictures / Adeus, Christopher Robin / Divulgação.

Relatos e mais relatos são publicados diariamente sobre a relevância da formação para o pleno desenvolvimento das crianças. Estudos este que, em sua maioria, enfatizam a importância de cuidadores que sejam suficientemente bons e que permitam essa criança o acesso aos mais variados recursos físicos e afetivos. Digo variados pois, a depender do meio cultural muda-se também as recomendações a respeito do que é preciso para crescer com saúde e bem-estar.  

Essas recomendações são particularmente importantes na história de família Milne e suas consequências na vida de Christopher Robin, pois, nesta história, os grandes conflitos do filme "Adeus, Christopher Robin" (2017) são originados nos conflitos individuais e nas relações entre os membros desta família (Christopher Robin, seu pai Blue e sua mãe Daphne).   

A família Milne, ao tentar se consolidar, se vê influenciada por grandes interferências externas: a guerra e a fama.  Diante destas interferências, falta recursos para lidar com as exigências que a construção de uma família traz, ficando essa família marcada pela negligência e falta de conexão.  

Neste contexto de guerra, que se passa na Inglaterra na década de 1920, Christopher (apelidado carinhosamente pela família como Billy Moon) é a figura central de uma fama que ele não pediu para ter, encontrando-se diante das atenções do mundo, após o sucesso dos contos de seu pai que é ausente mesmo quando presente, falho como uma figura paterna. 

E é aí que as coisas começam a ficar ainda mais complicadas para Billy Moon. Com uma vida marcada por excessos e faltas, as visões daquilo que é considerado ser o bom para a criança difere de acordo com o personagem. Na perspectiva dos pais, acompanhamos dois indivíduos tentando dar o melhor de si para a sociedade e o mundo através da conquista profissional ao preço de uma alienação da vida pessoal. Porém, como bons pais (ou pelo menos o que era aceito como bom naquele contexto e sociedade) garantindo o atendimento das "necessidades" de Billy Moon.  

A responsabilidade pela formação de Billy Moon passa a ficar a encargo de uma profissional paga pela família. A babá Olive é a figura responsável pela rotina, proteção e por transmitir, não só conhecimento, mas também o afeto que a mãe Daphne não soube dar, por mais que, provavelmente, o sentisse.  

Billy Moon, então, anseia pela atenção dos pais, mas acaba se acostumando com a falta deles e compreendendo que eles têm suas obrigações. O que fica complicado para ele é cumprir seus próprios compromissos com a fama já que as histórias que seu pai escreve são populares e baseadas na vida de Billy. Blue, pai de Billy sente que ao publicar as histórias consegue levar aquela felicidade de seu filho, imaginação e criatividade, para todo o mundo. Sem conseguir, entretanto, medir o peso das repercussões dessa fama na vida de Billy enquanto o mesmo lida com os inevitáveis desafios do crescimento.  

Essa história baseada em fatos reais, como a de várias outras famílias, trata de questões afetivas que envolvem os papeis de pai e mãe, a reciprocidade entre eles, o papel da família na constituição do sujeito e as necessidades da criança que são atendidas por terceiros com a garantia financeira dos pais fazendo pensar sobre as repercussões dessas decisões da vida de Billy. 

Questionando a própria conceituação do que é uma família, posto que não fica claro quais são as regras próprias deste sistema social, quais são os ritos, os heróis, etc... e mostrando como insipiente os laços entre os membros desta, como se eles fossem na verdade meros conhecidos. Não ficando clara para o telespectador qual é a dinâmica desta família, o que a caracteriza como grupo, o que eles têm em comum. Como se a fama, a contribuição social e o ganho financeiro advindo dela fossem suficientes para suprir o desamparo e o esfacelamento desta família que caracteriza sua existência como entidade social, mas vazia em si mesma.  

Culminando inevitavelmente na derrocada de todos aqueles arranjos que foram construídos para manter a imagem da família quando Billy atinge a maior idade e não precisa mais de seus pais para mediar suas escolhas. É neste momento que é possível em contato com as angústias mais profundas que estavam permeando a mente de Billy. Levando a um amadurecimento familiar quando eles se vêm com a necessidade de se confrontar com a dor da verdade que estava oculta nas relações da família e a repercussão das faltas e das negligências acometidas. Através deste diálogo que Billy consegue entrar em contato com o sentimento que tem pelo pai possibilitando também com que Blue tente retomar a relação.  

Muitas vezes, quando acontecem situações familiares marcadas por injustiças e falhas, há possibilidades de cura e da construção de formas mais satisfatórias de se relacionar. Esse filme é capaz de mostrar essa probabilidade latente.

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Cinthia Regina Moura Rebouças, psicóloga, CRP 23/001197, atende em consultório particular, adolescentes e adultos, com ênfase psicanalítica, em Palmas-TO. Possui MBA em Gestão de Pessoas (FGV), experiência como Docente do Curso de Gestão de Recursos Humanos, trabalha na interseção entre psicanálise e Trabalho. Tem experiência em trabalho com grupos, Avaliação Psicológica, na área Organizacional e na Condução de processos de Orientação Profissional.
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