Depois a Louca Sou Eu – um relato sobre conviver com a ansiedade

25 de junho de 2021

 

Foto: Paris Filmes / Downtown Filmes / Depois a Louca Sou Eu / Divulgação.

Em “Depois a Louca Sou Eu” (2021), escutamos o relato de Dani, uma mulher por volta de seus 30 anos que nos conta sobre sua vida convivendo com a ansiedade. E seu relato começa com ela tentando lembrar quando foi a primeira vez que teve um ataque de pânico: Seria na infância? Na adolescência? Ou foi em alguma das ocasiões da vida adulta? Bem, talvez esse nem seja o ponto mais importante. Assim, passamos pelo filme como expectadores da experiência de Dani convivendo com sua ansiedade.

Bem, é necessário começar ressaltando que a vivência do transtorno de ansiedade é particular. Cada pessoa ansiosa pode passar por isso de formas diferentes, mesmo apresentando sintomas semelhantes, e ter os próprios mecanismos para lidar com o que causa sofrimento. No caso de Dani, ela já recorreu a várias alternativas de tratamento diferentes, desde o convencional, acompanhamento psiquiátrico e psicológico, até tratamentos complementares e alternativos. Mas pouco percebe de eficácia desses tratamentos em sua vida.

Na infância, sua mãe chegou a leva-la a uma rezadeira, na tentativa de curar a filha do medo de tudo que ela tinha. No final o “diagnóstico” que recebeu na reunião de reza foi de que Dani sofria com tristeza. Claro que para Dani não poderia ser isso, era só medo de dormir, o que Dani enquanto adulta acredita que era algo normal para uma criança naquela idade. Porém, a angústia na hora de dormir é um sintoma comum em muitas pessoas ansiosas não só na infância.

Mas, o que Dani sentia não era apenas medo de dormir. Aparentemente tinha algumas fobias, como medo de barata. E durante a vida, até chegar na fase adulta, os medos só foram aumentando, como medo de algo acontecer, de se relacionar, de alguém querido morrer, da própria morte, de passar mal, de andar de avião, de que não gostem dela, de ser sempre vista como a pessoa que é “uma figura”, ansiedade em ficar doente e por aí vai... A abrangência de seus receios não parece ter limite, estando sempre apresentando uma ansiedade generalizada.

Sua preocupação em ter sempre um plano de fuga a atrapalha a aproveitar os momentos que vive, até mesmo porque acredita que não pode sentir demais, nem felicidade demais, nem tristeza ou mesmo paixão. Dani acredita que precisa estar sempre no controle de suas emoções e de suas reações, enquanto por dentro está surtando, querendo sair correndo e cheia de pensamentos de insegurança e pessimismo.

Na luta para manter o controle, acabou tendo dificuldade de se relacionar romanticamente com vários de seus namorados e o que se permitiu sentir bem com o relacionamento acabou levando um fora. A dificuldade de Dani em estabelecer critérios para escolher um interesse amoroso e o quanto pode ou não aprofundara relação com alguém também não ajudou muito com isso. Por fim, Dani tem medo de criar vínculos de intimidade e isso se reflete nos diversos relacionamentos que já teve.

Para completar, a mãe de Dani também tem uma série de expectativa em relação a filha. Além de superprotetora, se mostra emocionalmente dependente da relação com a filha, mas sempre se oferecendo como seu porto seguro, principalmente durante os ataques de pânico. Com isso, as vezes chega a tomar a frente por ela na resolução dos problemas da filha, o que de certa forma servia para alimentar os sintomas uma da outra.

Se na vida pessoal Dani vive se esquivando de criar vínculos de relacionamento, na vida profissional está lutando para atingir seu sonho de virar escritora. Sua carreira passa de publicitária a roteirista de novela e a forma que encontra para lidar com isso é tomando Rivotril. 

A medicação começa tendo a função em sua vida de controlar os sintomas desagradáveis relacionados ao trabalho. Como qualquer medicação, tem seus efeitos colaterais no uso prolongado e Dani faz o uso como uma muleta para dar conta daquilo que ela não consegue enfrentar sóbria. Logo, passa a ser o medicamento para toda hora, fazendo abuso da medicação, descumprindo a recomendação médica sobre a dosagem. Com isso, os sintomas adversos vão aparecendo e se intensificando. 

Assim, a venlafaxina entra como uma segunda medicação combinada, receitada para diminuir sua ansiedade. Mas também tem seus efeitos colaterais desagradáveis e um tempo de uso antes de começar a sentir os efeitos positivos. Por consequência, se sente anestesiada na vida e sem se sentir si mesma.

Nas várias terapias que já tentou, muitas indicadas por alguém, não conseguiu se encontrar. Para cada terapeuta via um defeito, não conseguiu criar um vínculo. Aparentemente, sua expectativa em relação a terapia era uma cura para sua ansiedade. As diversas técnicas que tentou e os encontros com os terapeutas não foram capazes de fazer ela se permitisse se abrir e realmente contar seus mais íntimos sentimentos. Encontrar um terapeuta que consiga criar um vínculo de confiança pode ser desafiador. E é no momento em que ocorrer o encontro com esse profissional que Dani vai ser capaz de colocar para fora o que tem reprimido e guardado para si.

Conviver com a ansiedade nada mais é do que aprender a lidar com aquilo que se tem dificuldade, de se aceitar enquanto uma pessoa em construção e estar disposta a desenvolver habilidades mais funcionais para se viver. Alguns dias vão ser melhores que os outros, algumas pessoas vão ser mais compreensivas que outras e haverá momentos em que precisará enfrentar ao invés de se esquivar. 

O uso de medicação em alguns casos é necessário para aliviar os sintomas desagradáveis, enquanto se trabalha o autoconhecimento e se constrói habilidades de enfrentamento para os problemas. A terapia é uma ferramenta para se atingir esses objetivos, basta procurar um terapeuta que você se identifique e que você se permita criar vínculo. 

Conviver com a ansiedade pode ser desafiador, mas não te impede de ir atrás de seus sonhos, nem de criar relacionamentos saudáveis! É tudo uma questão de como você vai lidar com essa explosão de sentimentos e com as próprias inseguranças. Se dê uma chance de viver o momento, afinal, aonde uns veem loucura, outros veem uma pessoa tentando seu melhor para ser feliz!

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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