Foto: Imovision / 4x100 - Correndo por um Sonho / Divulgação. |
Nas Olimpíadas do Brasil de 2016, Maria Lucia paralisou e não conseguiu desempenhar sua parte no revezamento 4x100. Ao entrar na pista de corrida, sentia o peso de estar no próprio país competindo, de ser vista como uma das favoritas, já que no individual era recordista, de atender as expectativas da equipe, do treinador e de cada um dos torcedores presentes naquele momento. Era muito peso em suas pernas naquele instante. Mas, 4 anos depois, se prepara para as Olímpias de Tóquio 2020 e para refazer sua história na competição, no filme “4x100 – Correndo por um Sonho” (2021).
A equipe de Maria Lúcia incluía Adriana, que acabou abandonando o esporte após o fracasso nas Olimpíadas do Brasil. Por não ter o mesmo nome que a amiga e colega de equipe, recorreu a lutas de MMA para tentar se sustentar. Para Adriana o maior desafio de se manter no esporte não era o peso das expectativas, mas outro: as baixas condições financeiras para treinar por conta própria e uma lesão no joelho, uma lembrança da vida de atleta nível olímpico. Para que ela aceitasse competir novamente, o treinador teve dificuldade em convencê-la, também por ela ainda estar chateada com Maria Lúcia.
Além das questões vividas pelas duas, há as questões das outras três integrantes da equipe. Para Jaciara treinar e se manter no esporte precisava enfrentar a falta de apoio do esposo, que está contando os dias para que ela se aposente do esporte e foque apenas em formar uma família com filhos. Rita está com dificuldades de manter seu desempenho, sente que as outras tem evoluído e ela não, por isso toma a decisão equivocada de usar anabolizantes para não ficar para traz, correndo o risco de se prejudicar e a equipe. Por fim, Sofia é a mais nova das cinco, com isso tem enfrentando as inseguranças do começo de sua atuação no esporte profissional em nível olímpico.
No filme vemos as cinco atletas enfrentando os dilemas e dificuldade dos treinos e competições. O corpo de atleta funciona de uma forma diferente do que Sofia estava acostumada, Rita sente o peso da idade chegando no seu desempenho, Maria Lucia enfrenta os medos que vem com as expectativas, Jaciara esperar ter o direito de não querer largar o esporte para ter filhos respeitado e Adriana sente o drama que é tentar vencer a dor e os riscos de se competir lesionada.
Todas sonham com a medalha nas Olimpíadas, mas o preço que pagam por isso estão nos treinos, nas restrições alimentares, na dificuldade de uma rede de apoio que entendam suas decisões e nas frustrações de nem sempre ter o desempenho que gostariam nas competições, mesmo com todo o treino feito. Ter saúde mental nessas condições é uma corrida que nem sempre se consegue atingir a linha de chegada. As questões psicológicas quando bem trabalhadas permitem um desempenho mais saudável, mas quando ignoradas ou mal trabalhadas atrapalham nas competições.
Ser um atleta profissional a nível olímpico é lidar com cobranças, frustrações e sacrifícios. Só que essas questões não são exclusividade dos esportes. Na vida, todos temos nossos desafios e lutas diárias. Cada qual tem seus sonhos e objetivos de vida. Escolher enfrentar o que se precisa para dar conta dos dilemas da vida envolve frustrações e sacrifícios. É uma escolha difícil, principalmente quando se corre o risco de fazer o sacrifício e ainda assim não obter resultado.
Esse foco nos resultados sem observar o processo que leva a eles infelizmente ainda é uma dificuldade da nossa sociedade. Dentro dos esportes, o torcedor desconhece a rotina de treinos do competidor, tem acesso ao que assiste nas competições e aos erros que vê do conforto da posição de expectador. Para quem apenas assisti sem considerar a trajetória para se estar ali naquele momento, erros e falta de resultados podem ser vistos como imperdoáveis. Fora dos esportes, não é diferente, quem vê um momento isolado de uma pessoa pode não conseguir ter a empatia para compreender a dificuldade do outro. Com isso, muitos julgamentos podem vir de fora, sem respeitar a trajetória de quem está sendo julgado.
No esporte e na vida, não podemos nos resumir aos nossos erros. Se deixarmos o medo de errar dominar, corremos o risco de paralisar em momentos decisivos e não conseguir dar o nosso melhor. A verdade é que em tudo na vida estamos competindo apenas com nós mesmo e essa competição precisa ser vivida de forma saudável, ou seja, valorizar o melhor que foi feito hoje, mesmo que no passado já tenha sido melhor ou que no futuro haja chances de melhorar. Entender isso foi crucial para que Adriana, Jacira, Maria Lucia, Rita e Sofia buscarem se unir e superar os desafios.
Há uma diferença entre enfrentar um desafio só e enfrenar em equipe. Estar em equipe permite que cada um atue no que tem de melhor, ao mesmo tempo que há a possibilidade de uma pessoa compensar a dificuldade de outra. Por mais que nos esportes quem compete nunca está realmente só, há os treinadores e auxiliares, o atleta é quem está em foco no individual, enquanto que nas competições em equipe há outras pessoas para se dividir o enfoque, a responsabilidade do desempenho, o peso das expectativas e as dores dos erros. Ambas situações podem ser boas ou ruins a depender do preparo físico e mental para lidar com isso.
Para as atletas no filme, os momentos de treino e de auxílio umas às outras tornou o grupo coeso. Mesmo a rivalidade entre Adriana e Maria Lúcia passou a ser saudável ao ponto de se impulsionarem a dar seu melhor pela equipe juntas. Sozinhas talvez não tivessem a chance de realizar o sonho, mas juntas, se apoiando, tinham essa chance. Ao descobrir que não é necessário enfrentar só e que o apoio mútuo faz toda a diferença elas tiveram a chance de correr atrás de seus sonhos. O que mostra a importância de se ter apoio e amizade para se formar uma equipe, ou seja, não precisamos enfrentar os medos e frustrações sozinhos. Se o apoio, o respeito, a empatia e a comunicação existir, é possível passar por tudo com saúde mental.
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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses |
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