Projeto Florida – a inocência em contraste a realidade social

23 de julho de 2021

 

Foto: Diamond Films / Projeto Florida / Divulgação.

No filme “Projeto Florida” (2017) acompanhamos a vida de Moonee, uma garota de 6 anos que vive com a mãe em um hotel de beira de estrada. Moonee e seus amigos, Scooty, Jancey e Dicky estão aproveitando a férias de verão, aprontando pela região em que moram. Enquanto isso, Halley, a mãe de Moonee, busca como pode recursos para que a filha possa viver com ela. Para isso muitas vezes conta com Bobby, o gerente do hotel, que está sempre de olho nas crianças que brincam na região, ao mesmo tempo que faz seu trabalho.

As pessoas que moram ali em grande parte estão vivendo em situação de vulnerabilidade. São população de baixa renda, muitos pais e mães solos, e passando por algumas situações de precariedade. Halley busca fazer de tudo para tentar manter a guarda da filha, evitando ir presa novamente e buscando meios de se manter, como fazer bicos, aplicar golpes e pedir auxílio financeiro para algumas pessoas. Assim, Moonee tem a presença da mãe, afeto e bastante liberdade de brincar na rua.

Para as crianças que moram na região tudo que eles vivem ali é brincadeira: pedir dinheiro para comprar sorvete, brincar no condomínio de casas abandonadas, até mesmo ajudar a mãe a vender perfume falsificado. Há nas ações de Moonee e seus amigos uma inocência, mesmo pregando peças e explorando lugares que podem oferecer a eles a exposição a certos perigos. Por exemplo, ir até o condomínio de casas abandonadas para quebras janelas e paredes, tentar colocar fogo em um travesseiro, pequenas ações que podem ter grandes consequências, mas que eles não viam o que poderia dar errado ali, era só brincadeira!

O cuidado das crianças acaba sendo dividido entre todos os que moram nos hotéis próximos, mesmo que a responsabilidade maior ficasse com o responsável por cada criança. O trabalho de Bobby era cuidar dos pagamentos, arrumar o que estivesse quebra, intermediar conflitos e fazer os hóspedes cumprirem as regras. Só que ele ia além, estando sempre de olho nas crianças e fazendo o que podia para minimizar qualquer risco que elas corressem.

Assim, as crianças acabavam sendo protegidas de muitas as ações dos adultos. Porém o que não as impediam de acabar sofrendo as consequências. Como quando Halley tem um desentendimento com a mão de Scooty e acaba dificultando qualquer possibilidade de as crianças manterem a amizade, ao mesmo tempo que perdeu uma rede de apoio, já que ambas se ajudavam.

Em um outro momento do filme, vemos uma turista brasileira, aparentemente com uma boa condição financeira, indo para no Hotel por uma confusão na hora de fazer as reservas das diárias. Olhando a situação do hotel e das pessoas que estavam ali, compara o hotel com uma favela brasileira. Guardada as devidas proporções, é possível fazer algumas comparações: os hóspedes aparentemente têm empregos com baixa remuneração ou vivem de bicos; à beira da estrada divide duas realidades, de um lado pessoas lutando para ver, do outro lado pessoas com boas condições financeiras aproveitando parques, lojas de presentes, hotéis de luxo e estabelecimentos bem organizados. Dois mundos coexistindo um ao lado do outro.

Mas parece que as crianças não veem essa diferença como algo ruim, apesar de entenderem bem qual é o seu lugar naquela situação econômica, social e cultura. Se o objetivo dos adultos é permitir que aquelas crianças tenham a inocência preservada, como nos diz a sinopse do filme, bem, estão conseguindo. Dentro do que podem fazem seu melhor e permitem aquelas crianças serem crianças.

Talvez nem tudo que Moonee e seus amigos estão aprendendo nas vivências diárias os permitirão ter condições de crescer e ter uma vida diferente da de seus pais. Mas pelo menos não os é negado o direito de ser criança, de manter suas inocências e ter o mínimo de segurança que seus pais tem condições de oferecer. Estar em situação de vulnerabilidade pode ter limitado a possibilidade de algumas vivências e também permitiu algumas aprendizagens questionáveis. Mas mesmo com pouco Moonee e seus amigos parecem felizes pelo pouco que tem e por terem quem os ame por perto.

O filme nos convida a refletir sobre algumas questões interessantes. Podemos observar o quanto muitas vezes a afetividade é o suficiente para uma criança ter felicidade, mesmo com poucas condições financeiras. Bem como somos confrontados com as situações que a desigualdade social e limitação de oportunidades para uma parcela da população impactam na qualidade de vida de cada um. E o que você tem valorizado? Dinheiro? Presentes? Altas posições sociais? Ou a inocência, o afeto, a felicidade e a simplicidade das pequenas coisas da vida? 

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses

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