Em “Abominável” (2019), a jovem Yi está passando por uma
fase difícil. Seu pai morreu a pouco tempo e sua mãe e sua avó tem notado que
ela não para em casa e está com um comportamento estranho. Yi passa o dia fora
de casa fazendo pequenos trabalhos para juntar dinheiro. Seu objetivo? Tentar
realizar o sonho do seu pai de levar a família para conhecer diversos pontos do
país. Mas como são serviços pequenos, ela não sabe quando vai conseguir
realizar essa viagem, apenas está dedicada em fazer dinheiro durante as férias.
Cada um tenta lidar com o luto de sua própria forma. Para
Yi, lidar com a perda do pai tem sido difícil. Não se sente à vontade para
falar com os outros sobre o assunto, apenas busca incessantemente planejar uma
forma de realizar a viagem. A viagem para Yi tem como significado manter e
honrar a memória do pai. Porém, tudo que lembra ele, Yi prefere esconder para
si. Ela parece não se sentir pronta para encarar a ideia da finitude do pai,
falar sobre o assunto é falar sobre algo que ela ainda não conseguiu processar.
Sua mãe e sua avó até tentam se aproximar, perguntar o que
está acontecendo e aconselhar, mas Yi está fechada dentro de sua dor e não quer
permitir que os outros se aproximem. Ela e o pai eram apegados e dividiam o
amor pelo violino. Por mais que a família pedisse para ela tocá-lo, ela tocava
apenas sozinha no terraço de casa. E é em uma dessas noites no terraço que ela
encontrou um Iéti! Uma criatura mítica, também conhecida na nossa cultura como abominável
homem das neves, que estava ali se escondendo de um grupo de pessoas que
queriam recapturá-lo e enjaulá-lo para provar sua existência. O Iéti estava
assustado, querendo voltar para sua casa.
A princípio, o Iéti não pareceu muito amigável, estava com
medo de pessoas. Contudo, os gestos de cuidado de Yi o ajudam a se sentir mais
à vontade e seguro. Pelo tamanho dele, Yi supõe que ele é um filhote e que está
com saudades dos pais. Uma saudade que Yi entende bem e que, ao contrário dela,
o pequeno Iéti teria condições totais de resolver se conseguisse retornar para
casa. O sentimento que ela sentia de saudade do pai, ela reconhecia no que o Iéti
tentava expressar pelas suas atitudes.
Yi e o Iéti começaram a fazer amizade, mas seu vizinho Jin
não achou uma boa ideia e decidiu ligar para a polícia. Assim, começa uma
aventura para ajudar o Iéti, batizado por Yi de Everest, a voltar para casa, e
Jin e seu primo Peng acabaram sendo arrastados juntos. Os quatro vão cruzar o
país para chegar no Himalaia para tentar devolver Everest para a família. Uma
jornada que acaba tendo uma dupla função, pois, além de permitir que Everest
volte a sua família, auxilia Yi a processar o luto pela perda do pai, dando um
fechamento para sua dor.
Lidar com a perda não é fácil! Alguns tem mais recursos que
outros, e para os mais novos a finitude pode ser uma ideia difícil de
compreender. Não ser mais capaz de reencontrar presencialmente um ente querido,
tê-lo apenas nas lembranças, pode ser é um processo difícil de digerir. Para os
adultos já é difícil, o que gera para muitos a dificuldade de auxiliar os mais
novos nesse período.
Independentemente da idade, cada um busca a sua forma de
lidar com a perda e ter seu fechamento. Para alguns é no rito do velório, para
outros é no desmontar o quarto. Há aqueles que veem no realizar um desejo ou sonho
do ente querido uma forma de fazer as pazes com a perda e voltar a ter forças
para ir à luta. E quando se tem com quem contar, é sempre possível dividir a
dor, para que ela possa se tornar mais leve, assim como Yi aprendeu em sua
jornada com os amigos. Respeite seu tempo e espaço, assim como respeite o dos
outros. E se ainda assim estiver difícil de superar, o auxílio de um
profissional capacitado pode ajudar a ressignificar a dor da perda, superar o
luto e voltar a sua luta diária.
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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento. Contato: sheila_machado_@hotmail.com Clínica Clinup: clinup.blogspot.com Instagram: @empqnasdoses |