Abominável – uma jornada para superar o luto

2 de novembro de 2021

 


Em “Abominável” (2019), a jovem Yi está passando por uma fase difícil. Seu pai morreu a pouco tempo e sua mãe e sua avó tem notado que ela não para em casa e está com um comportamento estranho. Yi passa o dia fora de casa fazendo pequenos trabalhos para juntar dinheiro. Seu objetivo? Tentar realizar o sonho do seu pai de levar a família para conhecer diversos pontos do país. Mas como são serviços pequenos, ela não sabe quando vai conseguir realizar essa viagem, apenas está dedicada em fazer dinheiro durante as férias.

Cada um tenta lidar com o luto de sua própria forma. Para Yi, lidar com a perda do pai tem sido difícil. Não se sente à vontade para falar com os outros sobre o assunto, apenas busca incessantemente planejar uma forma de realizar a viagem. A viagem para Yi tem como significado manter e honrar a memória do pai. Porém, tudo que lembra ele, Yi prefere esconder para si. Ela parece não se sentir pronta para encarar a ideia da finitude do pai, falar sobre o assunto é falar sobre algo que ela ainda não conseguiu processar.

Sua mãe e sua avó até tentam se aproximar, perguntar o que está acontecendo e aconselhar, mas Yi está fechada dentro de sua dor e não quer permitir que os outros se aproximem. Ela e o pai eram apegados e dividiam o amor pelo violino. Por mais que a família pedisse para ela tocá-lo, ela tocava apenas sozinha no terraço de casa. E é em uma dessas noites no terraço que ela encontrou um Iéti! Uma criatura mítica, também conhecida na nossa cultura como abominável homem das neves, que estava ali se escondendo de um grupo de pessoas que queriam recapturá-lo e enjaulá-lo para provar sua existência. O Iéti estava assustado, querendo voltar para sua casa.

A princípio, o Iéti não pareceu muito amigável, estava com medo de pessoas. Contudo, os gestos de cuidado de Yi o ajudam a se sentir mais à vontade e seguro. Pelo tamanho dele, Yi supõe que ele é um filhote e que está com saudades dos pais. Uma saudade que Yi entende bem e que, ao contrário dela, o pequeno Iéti teria condições totais de resolver se conseguisse retornar para casa. O sentimento que ela sentia de saudade do pai, ela reconhecia no que o Iéti tentava expressar pelas suas atitudes.

Yi e o Iéti começaram a fazer amizade, mas seu vizinho Jin não achou uma boa ideia e decidiu ligar para a polícia. Assim, começa uma aventura para ajudar o Iéti, batizado por Yi de Everest, a voltar para casa, e Jin e seu primo Peng acabaram sendo arrastados juntos. Os quatro vão cruzar o país para chegar no Himalaia para tentar devolver Everest para a família. Uma jornada que acaba tendo uma dupla função, pois, além de permitir que Everest volte a sua família, auxilia Yi a processar o luto pela perda do pai, dando um fechamento para sua dor.

Lidar com a perda não é fácil! Alguns tem mais recursos que outros, e para os mais novos a finitude pode ser uma ideia difícil de compreender. Não ser mais capaz de reencontrar presencialmente um ente querido, tê-lo apenas nas lembranças, pode ser é um processo difícil de digerir. Para os adultos já é difícil, o que gera para muitos a dificuldade de auxiliar os mais novos nesse período.

Independentemente da idade, cada um busca a sua forma de lidar com a perda e ter seu fechamento. Para alguns é no rito do velório, para outros é no desmontar o quarto. Há aqueles que veem no realizar um desejo ou sonho do ente querido uma forma de fazer as pazes com a perda e voltar a ter forças para ir à luta. E quando se tem com quem contar, é sempre possível dividir a dor, para que ela possa se tornar mais leve, assim como Yi aprendeu em sua jornada com os amigos. Respeite seu tempo e espaço, assim como respeite o dos outros. E se ainda assim estiver difícil de superar, o auxílio de um profissional capacitado pode ajudar a ressignificar a dor da perda, superar o luto e voltar a sua luta diária.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses
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Palavras que Borbulham Como Refrigerante e a expressão das emoções

10 de setembro de 2021

 

Foto: Netflix / Palavras que Borbulham como Refrigerante / Divulgação.

Cerejinha é um garoto tímido que tem dificuldade de falar em voz alta o que pensa e sente e encontra na possibilidade de escrever poemas haikai uma forma de se expressar de forma escrita. Os poemas haikai são curtos, compostos por três versos e pode com ter um kigo, que é um termo que faz referência a uma estação do ano. Por ter dificuldade com que é dito em voz alta, Cerejinha é fissurado nesses curtos poemas, estando disposto a aprender sobre como escrevê-los e até mesmo compartilhar alguns dos seus nas redes sociais.

Sorrisinho é uma garota alegre, mas com vergonha de seus dentes da frente salientes, que, para piorar, estão de aparelho. Apesar do problema de autoestima em relação aos seus dentes, é uma influencer famosinha. Em suas lives tem muitas pessoas interagindo com ela enquanto ela, de máscara, busca mostrar coisa fofas que vê pela frente. Ela não vê sua aparência física como fofa por conta de seus dentes, o que a torna fissurada por mostrar coisas fofas, como ela mesma gostaria de ser.

Imagine o que poderia acontecer se os dois se esbarrassem por acaso? É o que vemos no filme “Palavras que Borbulham Como Refrigerante” (2021). Cerejinha e Sorrisinho se conhecem ao esbarrarem um no outro em um dia de verão no shopping. Cerejinha estava em seu horário de trabalho em um centro de idosos do shopping quando começa a assistir uma corrida de bebês na parte central do estabelecimento. Já Sorrisinho tinha acabado de sair do dentista e estava fazendo uma live para mostrar as coisas fofas que encontrava no shopping. A corrida engatinhada chamou sua atenção e se aproximou para ver. Foi preciso alguém passar correndo para que os dois que estavam um ao lado do outro se encontrassem. Por conta do esbarrão, acabaram trocando os smartphones e depois de destrocá-los começaram a interagir.

Juntos acabaram assumindo a missão de ajudar o sr. Fujiyama, um dos frequentadores do centro de idosos, a encontrar um disco de vinil que ele tanto procurava, pois não queria esquecer a voz e a mensagem ali gravadas. Uma lembrança afetiva que ele tinha medo de esquecer, tanto que é o disco que ele mais ouviu em sua vida toda. O que estava ali gravado era uma mensagem importante demais para o sr. Fujiyama, um sentimento que ele não queria jamais esquecer.

A comunicação é até hoje um desafio no mundo. Cada um tem seu jeito de se comunicar e muitos têm suas dificuldades em relação a como se expressar. Palavras podem ter mais de um sentido e ações podem dizer mais que muitas palavras. No filme, vamos percebendo isso através dos ditos, dos não ditos, dos poemas curtos, na obsessão em mostrar coisas fofas ou na insistência de achar o disco perdido. As mensagens passadas transcendem a necessidade de palavras, sem fazer com que elas deixem de ser necessárias. As palavras e os gestos se complementam.

Quando se pensa em comunicação é comum a primeira associação ser a comunicação verbal, aquela que depende da palavra, seja falada ou escrita. Uma visão resumida do que significa essa ação complexa que envolve no mínimo uma mensagem a ser passada e pessoas para passa-la e recebe-la. Além das letras, tudo pode compor essa mensagem passada: olhares, gestos, entonação da voz, postura, imagens, símbolos, sons. É através da comunicação que temos oportunidade de expressar sentimentos e emoções. O que cada um sente é único e particular, mas temos como imaginar o que o outro passa ao estarmos atentos ao que nos é comunicado.

Algo que parece simples, mas é complexo, principalmente por aprendermos a nos comunicar nos ambientes sociais em que convivemos, pegando assim a dificuldade de quem nos ensina. Com isso, torna-se necessário ir além, rever a forma e o conteúdo da comunicação para tentar identificar os pontos falhos. E tudo bem ter falhas, basta identificá-las e buscar melhorar. Do contrário corremos o risco de continuar repetindo um ciclo interminável dos mesmos erros de comunicação. E os sentimentos e emoções não escapam disso.

Se comunicar uma informação pode ser difícil, imagine então o quão desafiador pode ser expressar uma emoção? Principalmente para quem tem dificuldade de entender direito o que sente, já que expressar sentimentos e emoções envolve autoconhecimento, e, em muitos casos, a existência de um vínculo de intimidade que abra espaço para um ambiente acolhedor. A comunicação é cheia de nuances, sendo mais leve em relacionamentos acolhedores, com empatia e respeito. Quando este relacionamento está em construção pode acontecer de ser algo mais lento e, às vezes, nas entrelinhas.

Talvez a maior jornada de Cerejinha, Sorrisinho e Fujiyama seja a de expressar seus sentimentos, entrar em contato com suas emoções, superar barreiras e serem compreendidos. Jornada essa que depende das palavras faladas, escritas, cantadas e demonstradas. A amplitude de possibilidades de comunicar o que se sente é tão ampla, mas depende de ouvidos e olhares atentos a escutar, entender e acolher a mensagem. E você, tem refletido sobre como tem comunicado seus sentimentos? Está se sentindo compreendido? O que será que está faltando para que haja a compreensão?

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
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Gênio Indomável e a relação terapêutica

27 de agosto de 2021

 

Foto: Miramax Films / Gênio Indomável / Divulgação.

No filme “Gênio Indomável” (1997), Will Hunting é um jovem que trabalha como zelador em uma prestigiada universidade. Em um dia de trabalho, vê em uma lousa no corredor da universidade um problema matemático e acaba tendo vontade de resolvê-lo. O professor Gerald Lambeau, que propôs o problema para seus alunos, fica curioso para saber quem resolveu e surpreso ao perceber o talento de Will para matemática. Mas Will vai preso por bater em um policial e para que ele seja solto acaba tendo que aceitar colaborar com Lambeau e fazer terapia.

Will é um jovem de 20 anos, agressivo e metido a sabichão, que teve uma infância difícil. Por ser órfão, passou por 3 lares adotivos e sofreu violência doméstica em um deles. Autodidata, aparentemente passava boa parte de seu tempo na biblioteca lendo tudo o que via por lá. Podemos imaginar que seu jeito foi devolvido por conta do que passou nos lares adotivos, passando a ter um problema com rejeição, o que impactou em todos os seus relacionamentos, com os amigos, com possíveis interesses amorosos e também dentro do trabalho.

O professor Lambeau viu potencial em Will e não queria vê-lo desperdiçar esse potencial. Para Lambeau, Will era um gênio da matemática e queria guia-lo pelo caminho do sucesso profissional, que acreditava ser o certo para o rapaz. Então, acaba levando Will a 5 terapeutas diferentes. Porém, Will se mantem na defensiva com cada um e não consegue formar o vínculo terapêutico com nenhum deles. Lambeau então, decide procurar Sean Maguire, um antigo colega de faculdade, na esperança de que com ele dê certo.

Na primeira consulta, Sean tenta conhecer um pouco de Will, enquanto que Will tenta se esquivar dessa tentativa de aproximação. Mesmo assim, Sean não desiste e decide dar continuidade ao caso. Sean se sentia desafiado com o caso de Will e estava disposto a tentar quebrar a barreira defensiva de Will no tempo do rapaz. O objetivo terapêutico era permitir que o rapaz se descobrisse e ressignificasse seu passado para trilhar seu próprio caminho, mesmo que para atingir esse objetivo Sean tivesse que enfrentar Lambeau.

Durante o filme, vemos Sean e Will criar um vínculo, que seria usado para que Will aprendesse a lidar melhor com relacionamentos de intimidade e com seu planejamento de futuro. A terapia é um relacionamento de intimidade e é através da relação terapêutica que os conteúdos do paciente são tratados, a partir de princípios teóricos e éticos que regem a relação. 

Para essa relação ser construída, o primeiro desafio é encontrar alguém que o paciente se sinta à vontade para falar, o que para Will significou passar por 6 terapeutas diferentes. Em casos como o de Will, em que a pessoa vai por obrigação e não por livre e espontânea vontade ao ambiente terapêutico, é normal haver uma resistência maior para o engajamento do paciente na terapia, assim como a desistência antes de se alcançar o objetivo terapêutico.

A conduta de Sean na sessão era baseada em suas análises. Os recursos terapêuticos utilizados nas sessões são decididos a partir das análises e da abordagem teórica seguida pelo terapeuta. Muitos desses recursos partem do diálogo e da conversa estruturada. Há um objetivo para as falas e intervenções do terapeuta e esse objetivo está ligando a permitir que o paciente chegue ao seu objetivo dentro da terapia. Dessa forma, propiciando ao paciente um espaço de autoconhecimento e autodesenvolvimento.

O espaço terapêutico não é exatamente um ambiente físico, apesar de ter questões físicas importantes para garantir o sigilo e privacidade das informações. Esse espaço é construído dentro da relação, através de um ouvido aberto a escutar sem julgamentos aquilo que o paciente precisa pôr para fora para conseguir organizar sua cabeça. O que permite que a terapia não seja restrita as paredes do consultório, sendo possível que ocorra em outros espaços, como no ambiente virtual, em um quarto de hospital, em um banco no parque ou qualquer outro, sendo que em algumas situações há adaptações na conduta do terapeuta para manter os pré-requisitos éticos do atendimento.

Procurar por terapia, seja porque mandaram ou por vontade própria, é um processo em que cada um leva seu tempo. Não tem como se ter uma previsão fixa de quanto tempo uma terapia vai durar, cada caso é um caso, assim como nem sempre o paciente vai conseguir estar disponível para tratar tudo que incomoda ou atrapalha sua vida. Tanto que tem quem não consiga permanecer até a alta por diversos motivos, como não estar pronto para falar de algo que dói, ou para promover a mudança que precisa na própria vida, ou algumas vezes por questões financeiras ou de convênio. 

O importante na relação terapêutica é se respeitar e buscar o profissional com quem você consiga criar essa relação, se permitir estar ali vulnerável, para si mesmo, alguém que te deixe confortável para criar essa intimidade. A fala com alguém devidamente capacitado pode ajudar a mudar sua vida, através do desenvolvimento do autoconhecimento, da autoestima e de tantas outras habilidades necessárias para termos mais saúde mental. Algumas barreiras não precisamos vencer sós, um pouco de ajuda pode fazer toda diferença. Afinal, para que Will fosse o gênio que ele mesmo se orgulhasse, alguém disposto a ouvir o que ele quer, como Sean estava, tinha muito mais condições de ajudá-lo.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Diários de Intercâmbio – contradições entre sonho x realidade

20 de agosto de 2021

 

Foto: Netflix/Paris Filmes / Diários de Intercâmbio / Divulgação.

Bárbara é uma jovem sonhadora de 23 anos que está lutando pelo seu sonho de conhecer o mundo. Para isso, trabalha no aeroporto vendendo revistas, na expectativa de conseguir a comissão da empresa, que é uma viagem. Sua amiga Taila também trabalha no aeroporto, mas para a companhia de táxi. Após uma tentativa falha de atingir a comissão, Bárbara se vê desolada, mas a solução que precisava estava o tempo todo em suas mãos, dentro das revistas que vendia. As duas amigas juntas partem, então, para um intercâmbio nos Estados Unidos no filme “Diários de Intercâmbio” (2021).

Taila confronta Bárbara quando ouve a ideia à primeira vista, já que o modelo de intercâmbio que cabia no bolso das duas era o au pair, quando uma pessoa vai para aprender um idioma em outro pais e morar com uma família para trabalhar para a família e receber um salário. O problema é que Bárbara mora com a mãe e não contribui com as atividades domésticas ou mesma é organizada com as próprias coisas, como daria conta de trabalhar para os outros?

Porém, Bárbara estava tão focada em suas expectativas sobre estar nos Estados Unidos e em reencontrar o ficante americano Brad que não pensa muito nisso. Em sua cabeça, olhar uma criança pequena não era difícil e no tempo livre poderia fazer o que quisesse, conhecer lugares e se encontrar com o namorado estrangeiro. Chegando a casa de Sheryll, descobriu que cuidar de um bebê não era tão fácil e que precisaria de cuidar das atividades domésticas, o que não estava nem um pouco acostumada e a deixava esgotada.

Enquanto isso, Taila não tinha muitas expectativas positivas, pois não falava a língua e muito menos era tão fã assim da cultura dos Estados Unidos. Não se via encaixando lá, mas esperava que fosse estar em uma família para cuidar de uma adolescente. Porém, ao chegar à casa da família que estaria a recebendo, descobriu que eles queriam uma companhia por sentir falta da filha, e que os hábitos alimentares e comportamentos deles eram opostos ao que ela acreditava ser saudável.

Para completar, Bárbara estava esperando aprimorar o seu inglês, mas Taila não sabia falar nada e matriculou as duas na turma mais básica possível. A aula que parecia prazerosa para Taila era entediante para Bárbara. O que era para ser um sonho se tornou uma realidade que nenhuma das duas podiam prever, mas que poderia servir para ambas aprenderem a lidar com adversidades, se abrirem para ideias e situações novas, além de saírem da zona de conforto.

Não é uma exclusividade das viagens internacionais essa questão da contradição entre sonho e realidade. Quando se fala em sonhos, estamos falando de expectativas das mais diversas: o carro dos sonhos, a casa dos sonhos, o relacionamento dos sonhos, e por aí vai. Qualquer momento que desejamos viver e idealizamos pode se tornar um sonho, uns sendo maiores e mais difíceis de se alcançar, já outros sendo menores e mais ao alcance de nossas mãos.

Independentemente do tamanho do sonho, um desejo só é chamado assim quando algo é idealizado. No campo das ideias, ou melhor, na imaginação de cada um pode-se listar uma série de possibilidades para que uma situação aconteça, mas no momento real pode ser que os acontecimentos sejam outros do que se foi pensado anteriormente. Isso é comum quando se trata de grandes mudanças ou grandes acontecimentos que são muito distantes da nossa realidade, pois o que está no campo da imaginação tem limitações de acesso a informação e há a abertura para fantasiar o que se sonha a ser vivido. 

Veja bem, não é que um sonho não possa sair como o imaginado, mas quanto menos contato com o real da situação, mais chances de idealizar o que pode acontecer. No caso do filme, o sonho de Bárbara com o intercâmbio é muito idealizado, pois o contato que ela tem com os países e possibilidades de viagens é o que lê na revista que vende. Os artigos das revistas foram escritos por pessoas que pode ou não ter ido pessoalmente nos lugares ou apenas pesquisado na internet sobre eles. Indo além, a experiência que cada um tem em uma viagem é única, a mesma situação para uma pessoa pode ser maravilhosa e para outra horrível a depender de uma série de fatores, como o quanto uma atividade pode ser prazerosa a cada pessoa.

Então significa que não podemos sonhar? Claro que podemos! Muitos feitos de nossas vidas começam como um sonho, algo que aprece distante ou difícil de se conquistar. Contudo, podemos construir o caminho para que se torne realidade aquilo que apenas se imaginava. A questão é buscar o controle de expectativas e se permitir a abertura para lidar com a frustração daquilo que não saiu como imaginado. Do contrário, o sonho se torna um pesadelo, por não estarmos preparados para aceitar a realidade. 

No primeiro momento, sair da zona de conforto e ter que aprender novas habilidades pode ser difícil, porém, se permitir viver a realidade pode ser uma experiência inesquecível, para Bárbara e para qualquer um que tente isso na vida real, não importa que sonho seja o que está correndo atrás. Apenas aceite o fato de que é impossível controlar tudo o que é necessário para que algo saia exatamente como o imaginado!

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Pense Como Eles e os joguinhos do amor

13 de agosto de 2021

 

Foto: Sony Pictures / Pense Como Eles / Divulgação.

Encontrar alguém especial é a busca de muitas pessoas. E no filme “Pense Como Eles” (2012) vemos um grupo de amigos no meio dessa busca. O problema é que um livro lançado no mercado conta toda a arte da conquista masculina e com isso eles passam a ter dificuldade de conseguir o que buscam das pessoas com quem se relacionam. E será que tem como usar as informações do livro a favor dos dois lados?

No filme os personagens são encaixados em alguns estereótipos. No time masculino, temos o grupo formado por Dominic - o sonhador, Zeke - o jogador, Michael - o filhinho da mamãe, Jeremy - o sem compromisso e, para completar, temos Bennett, o amigo feliz no casamento e Cedric que está se divorciando. No time feminino temos Mya - a garota da regra dos 90 dias, Candace - a mãe solteira, Lauren - a mulher que é seu próprio homem e Kristen - a garota que quer se casar.

Sim queridos leitores, o filme faz o clássico jogo da guerra dos sexos. Por um lado, ajuda na parte cômica da trama, mas por outro aponta e reforça alguns estereótipos sobre o que o social e a cultura enxerga como comportamentos tipicamente femininos e tipicamente masculinos dentro dos relacionamentos. Conteúdo, tem seu valor para pensarmos sobre como os relacionamentos ainda passam até os dias de hoje por alguns problemas que persistem em continuar existindo: os problemas de comunicação, a dificuldade de se permitir ser íntimo de outra pessoa, as inseguranças, os conflitos de convivência e as expectativas sobre o outro.

Justamente por agir como se o primeiro contato com alguém é um jogo de conquista, Cedric está se sentindo enferrujado depois de anos casado e Zeke não deixa isso passar despercebido pelo amigo. Zeke parece saber as palavras certas para conseguir marcar de sair com alguém. E é assim que acaba conhecendo Maya, que só quer ser tratada como a garota certa e não como a garota de uma noite apenas. Assim, aplica uma das regras do livro em Zeke, para ver se esperando os 90 dias para ter relações sexuais seria o que ela precisava para que ele a olhasse como alguém para namorar.

Por outro lado, Michael é muito apegado a mãe e tem dificuldade de manter relacionamentos por não saber conciliar o tempo com a mãe e o tempo com quem namora. Ao conhecer Candace não se importa com o fato dela ter um filho e está disposto a ter um bom relacionamento com o menino por saber o que é ser filho de uma mãe solteira. Candace usa algumas dicas do livro na tentativa achar alguém que vale a pena sem perder muito tempo e o escolhido para esse teste é Michel.

Lauren é amiga de Candace e bem-sucedida profissionalmente. Sempre coloca o trabalho em primeiro lugar, deixando os relacionamentos como algo secundário. Acaba sendo bem exigente com quem conhece por querer alguém que esteja no mesmo nível que ela, tendo uma lista de pré-requisitos para namorar com alguém. O problema é que, apesar de ter potencial, Dominic ainda não atingiu seus sonhos e está tentando começar uma nova carreira. Lauren usa o que aprendeu no livro que ganhou de Candance, sem acreditar muito que poderia dar certo, para dar uma chance a Dominic, baixando seus critérios e apostando em alguém com potencial para crescer.

Já Jeremy e Kristen namoram a muito tempo e moram juntos. Jeremy está em sua zona de conforto, sem se preocupar em buscar novos desafios e novas oportunidades. Vê em Kristen uma companheira para toda hora e muito compreensiva. Kristen cansou de ser compreensiva e de esperar Jeremy pedi-la em casamento e decidi usar as dicas do livro para força-lo a fazer o pedido.

O que todos não perceberam é que ao usar as dicas do livro, começaram a mudar a forma de agir. Se uma ação não nos gera o resultado esperado, para que insistir nela, certo? Só que é muito comum não percebermos os padrões de ação que usamos e nem percebemos se essas ações estão realmente funcionando. Encontrar alguém não é uma questão de usar joguinhos, mas uma questão de conversar, conhecer mais o outro, aos poucos ir permitindo que o outro conheça nossas fragilidades e forças, e ainda envolve a possibilidade de rejeição. Ninguém quer ser rejeitado, daí tanta insegurança.

Tentar adivinhar ou ler um livro para saber o que o outro está pensando pode até parecer uma ótima ideia em um primeiro momento, mas pode trazer uma série de complicações, a medida em que se passa a interagir mais com o que achamos do que com o que realmente está ali na nossa frente. Quantos relacionamentos não ficam paralisados por conta de querermos primeiro adivinhar o que se passa na cabeça da outra pessoa ao invés de perguntar ou agir?

Quanto mais se busca aprimorar a comunicação, mais chances de se ter noção se uma pessoa é ou não é aquilo que estávamos procurando. Conselho? Existem aos montes! Isso é algo ruim? Não! Desde que saibamos avaliar se um conselho serve ou não serve para nós. No filme, com os quatro casais, à medida que a comunicação foi melhorando, mais foram se aproximando. Outro ponto que funcionou bem foi a atenção que deram a quem estava a sua frente, conhecendo melhor os gostos, os sonhos, os medos e os quereres. 

A melhor forma de conhecer alguém é a forma que der certo para você! Ter critérios é importante, mas saber quais critérios está disposto a abrir mão também é. Troque ideias, encontre pontos em comum, encontre pontos que divergem, apenas conheça o outro. Joguinhos não ajudam com muita coisa. Se não der certo, tudo bem! Nem sempre o encanto vem das duas partes. Corremos o risco de nos machucar quando nos permitimos ser íntimos, entretanto corremos o risco de nunca conhecer quem procuramos se ficarmos na defensiva, presos na insegurança. Pense no que é melhor para você e no que você procura.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Destemida – refletindo sobre abandono paterno

6 de agosto de 2021

 

Foto: Netflix / Destemida / Divulgação.

Olo e Martha tem muito mais em comum do que imaginam. A voz de ambos tem o poder para percorrer o país, alcançar a fama. Ambos têm carisma e capacidade para conquistar o público. A diferença é que Olo está travado na carreira, precisando encontrar seu próximo hit, enquanto a carreira de sua filha Martha está prestes a começar. Vemos esse encontro acontecer em "Destemida" (2020). 

Olo é um cantor que abandonou a namorada grávida para correr atrás de seu sonho na música. 18 anos depois, seu hit “Escuridão da Noite” é cantado em todos os cantos. Por onde passa é aclamado, e, atualmente, é jurado em um programa de auditório que está em busca do próximo cantor ou cantora de sucesso, o show de talentos “Corrida Musical”, onde ou você canta bem e vai para a próxima fase, ou você recebe um balde de água fria, literalmente, e volta para casa.

A primeira etapa é de cidade em cidade e começamos o filme com ele sabendo que a próxima cidade é Rosalin, cidade natal de Olo, lugar onde ele deixou para traz sua possível família. Olo não parece nada satisfeito em voltar para Rosalin para etapa do programa. Parece inquieto e preocupado, como se a qualquer momento fosse encontrar o fantasma de seu passado. 

Sua filha Martha nunca conheceu o pai, não recebeu qualquer tipo de suporte dele, sendo criada pela mãe e pela avó. Acabou sendo incentivada por sua mãe a ir até o local das audições para tentar ver o pai pessoalmente pela primeira vez. Mas Olo quer esquecer o passado. Ao esbarrar no corredor das audições com a mãe de Martha diz não a reconhecer, o que deixa Martha furiosa. 

Martha ao se encontrar na frente dos jurados decide agredir verbalmente Olo e lhe jogar um copo de água na cara, o que foi visto como ousadia e fonte de sucesso pelos produtores do show de talentos, que decidiram aprová-la para a próxima etapa, apesar de Martha estar recebendo comentários de ódio nas redes sociais por ter atacado gratuitamente o grande astro da música Olo.

Por ter tentado esquecer o passado, Olo tinha marcas em sua história que doíam mais do que ele conseguia admitir. Estava tão preocupado com seus próprios sentimentos e com seus arrependimentos que não conseguia enxergar na sua frente as marcas que deixou em Martha. Só queria não precisar revê-la, rever sua ex e sua antiga cidade. Estava preocupado em deixar seu passado mais uma vez para traz e viver seu presente, sendo amado por seus fãs e tendo uma namorada que lhe ajudava a alimentar o ego. 

Já Martha estava decepcionada com o primeiro encontro com o pai, estava com raiva e se sentindo rejeitada. Havia imaginado como seria o pai, mas a realidade sobre quem ele era lhe frustrava. As expectativas não corresponderam a realidade e ela se via sozinha e incompreendida.

Bem, com o convite para ir para a próxima etapa, Martha decide ir ao show para ofender novamente o pai Olo. Ao chegar na frente das câmeras ao vivo, travou, não conseguiu dizer o que queria. O silêncio do momento foi rompido por Olo que decidiu retribuir as ofensas gratuitas que recebeu na audição na esperança dela ir embora e ele não precisa olhar novamente para seu passado. Sem conseguir falar, Martha começa a cantar seus sentimentos, ganhando a plateia. A partir daí vemos semana a semana, Olo tentando eliminar Martha para deixar o passado no passado e Martha aproveitando para a cada apresentação cantar uma música direcionada a seu pai, que estava ali, diante dela, durante os poucos minutos em que ela era uma candidata do show de talentos.

Porém, a fama instantânea tem um preço caro, Olo sabe bem disso. Martha começa a ter que administrar a fama, os seguidores, os fãs, as pessoas que se aproxima para se aproveitar de sua imagem, e acaba se afastando da família e dos amigos verdadeiros. Parece que pai e filha eram mais parecidos do que imaginavam e Martha estava seguindo os passos que Olo queria fingir que nunca existiram em sua vida. 

Olo, percebendo onde Martha estava se metendo, ficava cada vez mais incomodado e começou a falar com ela como um pai, só que Martha não estava mais querendo ouvir a ninguém. O caminho para os desejos de ambos se alinharem era longo, com algumas barreiras no caminho e necessitava passar pela superação de muita coisa. Martha precisaria superar a rejeição, perdoar o pai e aceitar que não era capaz de mudar Olo. Enquanto que Olo precisava superar seus arrependimentos do passado e escolher se queria mudar. Porém, são sentimentos difíceis de serem superados, pois são feridas emocionais que doem cada vez que se tenta mexer e por isso muitos preferem fugir.

Os erros, sejam do passado ou do presente, constituem quem nós somos, além de poderem ser a causa de traumas e arrependimentos. Há muitos casos como o de Martha de abandono paterno, em que o pai as vezes está mais próximo do que se imagina, em que tudo que a pessoa quer é uma convivência afetiva. 

Contudo, o medo de exercer a paternidade, de não ser bom o bastante e/ou de não ser um homem admirável para os filhos faz muitos se afastarem desse papel. Dúvidas podem surgir, como: “Terei que abrir mão de algum sonho?”, “Será que estou pronto para ser pai?” ou “Será que consigo conciliar meus planos com os cuidados da criança?”. Esses receios podem afastar muitos de cumprir esse papel na vida de outra pessoa.

Há homens buscam resolver seus arrependimentos focando na carreia e deixando a família de lado. Uma decisão que marca a todos. E se a escolha tivesse sido diferente? Se optasse por criar e manter o vínculo pai/filho(a)? O arrependimento desse "e se" traz medos e inseguranças, o que dificulta uma reaproximação. Enquanto isso, quem foi abandonado se questiona sobre o que fez para merecer o abandono, o que poderia ter feito para conquistar a presença e o amor do pai, o que tem de errado para que o pai não lhe quisesse. Filhos são uma grande responsabilidade, e a maior cobrança em cima dos pais é de si próprios.

Há vários fatores que podem levar a decisão de se abster do papel de cuidado, assim como há marcas que essa abstenção deixa em quem foi abandonado. Lembrando que exercer o papel de cuidado vai além de estar de corpo presente, é se envolver, orientar, atender as necessidades, negar alguns pedidos, é educar para poder sentir que fez o melhor que podia, mesmo que não tenha sido perfeito. Quem sabe Martha possa se abrir para dar uma segunda chance para o pai? O primeiro passo para saber essa resposta dependeria apenas de Olo decidir assumir esse papel e abrir espaço para a filha em sua vida. 

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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4x100 – Correndo por um Sonho – os sacrifícios e frustrações na busca de um sonho

30 de julho de 2021

 

Foto: Imovision / 4x100 - Correndo por um Sonho / Divulgação.

Nas Olimpíadas do Brasil de 2016, Maria Lucia paralisou e não conseguiu desempenhar sua parte no revezamento 4x100. Ao entrar na pista de corrida, sentia o peso de estar no próprio país competindo, de ser vista como uma das favoritas, já que no individual era recordista, de atender as expectativas da equipe, do treinador e de cada um dos torcedores presentes naquele momento. Era muito peso em suas pernas naquele instante. Mas, 4 anos depois, se prepara para as Olímpias de Tóquio 2020 e para refazer sua história na competição, no filme “4x100 – Correndo por um Sonho” (2021).

A equipe de Maria Lúcia incluía Adriana, que acabou abandonando o esporte após o fracasso nas Olimpíadas do Brasil. Por não ter o mesmo nome que a amiga e colega de equipe, recorreu a lutas de MMA para tentar se sustentar. Para Adriana o maior desafio de se manter no esporte não era o peso das expectativas, mas outro: as baixas condições financeiras para treinar por conta própria e uma lesão no joelho, uma lembrança da vida de atleta nível olímpico. Para que ela aceitasse competir novamente, o treinador teve dificuldade em convencê-la, também por ela ainda estar chateada com Maria Lúcia.

Além das questões vividas pelas duas, há as questões das outras três integrantes da equipe. Para Jaciara treinar e se manter no esporte precisava enfrentar a falta de apoio do esposo, que está contando os dias para que ela se aposente do esporte e foque apenas em formar uma família com filhos. Rita está com dificuldades de manter seu desempenho, sente que as outras tem evoluído e ela não, por isso toma a decisão equivocada de usar anabolizantes para não ficar para traz, correndo o risco de se prejudicar e a equipe. Por fim, Sofia é a mais nova das cinco, com isso tem enfrentando as inseguranças do começo de sua atuação no esporte profissional em nível olímpico.

No filme vemos as cinco atletas enfrentando os dilemas e dificuldade dos treinos e competições. O corpo de atleta funciona de uma forma diferente do que Sofia estava acostumada, Rita sente o peso da idade chegando no seu desempenho, Maria Lucia enfrenta os medos que vem com as expectativas, Jaciara esperar ter o direito de não querer largar o esporte para ter filhos respeitado e Adriana sente o drama que é tentar vencer a dor e os riscos de se competir lesionada. 

Todas sonham com a medalha nas Olimpíadas, mas o preço que pagam por isso estão nos treinos, nas restrições alimentares, na dificuldade de uma rede de apoio que entendam suas decisões e nas frustrações de nem sempre ter o desempenho que gostariam nas competições, mesmo com todo o treino feito. Ter saúde mental nessas condições é uma corrida que nem sempre se consegue atingir a linha de chegada. As questões psicológicas quando bem trabalhadas permitem um desempenho mais saudável, mas quando ignoradas ou mal trabalhadas atrapalham nas competições.

Ser um atleta profissional a nível olímpico é lidar com cobranças, frustrações e sacrifícios. Só que essas questões não são exclusividade dos esportes. Na vida, todos temos nossos desafios e lutas diárias. Cada qual tem seus sonhos e objetivos de vida. Escolher enfrentar o que se precisa para dar conta dos dilemas da vida envolve frustrações e sacrifícios. É uma escolha difícil, principalmente quando se corre o risco de fazer o sacrifício e ainda assim não obter resultado.

Esse foco nos resultados sem observar o processo que leva a eles infelizmente ainda é uma dificuldade da nossa sociedade. Dentro dos esportes, o torcedor desconhece a rotina de treinos do competidor, tem acesso ao que assiste nas competições e aos erros que vê do conforto da posição de expectador. Para quem apenas assisti sem considerar a trajetória para se estar ali naquele momento, erros e falta de resultados podem ser vistos como imperdoáveis. Fora dos esportes, não é diferente, quem vê um momento isolado de uma pessoa pode não conseguir ter a empatia para compreender a dificuldade do outro. Com isso, muitos julgamentos podem vir de fora, sem respeitar a trajetória de quem está sendo julgado.

No esporte e na vida, não podemos nos resumir aos nossos erros. Se deixarmos o medo de errar dominar, corremos o risco de paralisar em momentos decisivos e não conseguir dar o nosso melhor. A verdade é que em tudo na vida estamos competindo apenas com nós mesmo e essa competição precisa ser vivida de forma saudável, ou seja, valorizar o melhor que foi feito hoje, mesmo que no passado já tenha sido melhor ou que no futuro haja chances de melhorar. Entender isso foi crucial para que Adriana, Jacira, Maria Lucia, Rita e Sofia buscarem se unir e superar os desafios.

Há uma diferença entre enfrentar um desafio só e enfrenar em equipe. Estar em equipe permite que cada um atue no que tem de melhor, ao mesmo tempo que há a possibilidade de uma pessoa compensar a dificuldade de outra. Por mais que nos esportes quem compete nunca está realmente só, há os treinadores e auxiliares, o atleta é quem está em foco no individual, enquanto que nas competições em equipe há outras pessoas para se dividir o enfoque, a responsabilidade do desempenho, o peso das expectativas e as dores dos erros. Ambas situações podem ser boas ou ruins a depender do preparo físico e mental para lidar com isso.

Para as atletas no filme, os momentos de treino e de auxílio umas às outras tornou o grupo coeso. Mesmo a rivalidade entre Adriana e Maria Lúcia passou a ser saudável ao ponto de se impulsionarem a dar seu melhor pela equipe juntas. Sozinhas talvez não tivessem a chance de realizar o sonho, mas juntas, se apoiando, tinham essa chance. Ao descobrir que não é necessário enfrentar só e que o apoio mútuo faz toda a diferença elas tiveram a chance de correr atrás de seus sonhos. O que mostra a importância de se ter apoio e amizade para se formar uma equipe, ou seja, não precisamos enfrentar os medos e frustrações sozinhos. Se o apoio, o respeito, a empatia e a comunicação existir, é possível passar por tudo com saúde mental.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses
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Projeto Florida – a inocência em contraste a realidade social

23 de julho de 2021

 

Foto: Diamond Films / Projeto Florida / Divulgação.

No filme “Projeto Florida” (2017) acompanhamos a vida de Moonee, uma garota de 6 anos que vive com a mãe em um hotel de beira de estrada. Moonee e seus amigos, Scooty, Jancey e Dicky estão aproveitando a férias de verão, aprontando pela região em que moram. Enquanto isso, Halley, a mãe de Moonee, busca como pode recursos para que a filha possa viver com ela. Para isso muitas vezes conta com Bobby, o gerente do hotel, que está sempre de olho nas crianças que brincam na região, ao mesmo tempo que faz seu trabalho.

As pessoas que moram ali em grande parte estão vivendo em situação de vulnerabilidade. São população de baixa renda, muitos pais e mães solos, e passando por algumas situações de precariedade. Halley busca fazer de tudo para tentar manter a guarda da filha, evitando ir presa novamente e buscando meios de se manter, como fazer bicos, aplicar golpes e pedir auxílio financeiro para algumas pessoas. Assim, Moonee tem a presença da mãe, afeto e bastante liberdade de brincar na rua.

Para as crianças que moram na região tudo que eles vivem ali é brincadeira: pedir dinheiro para comprar sorvete, brincar no condomínio de casas abandonadas, até mesmo ajudar a mãe a vender perfume falsificado. Há nas ações de Moonee e seus amigos uma inocência, mesmo pregando peças e explorando lugares que podem oferecer a eles a exposição a certos perigos. Por exemplo, ir até o condomínio de casas abandonadas para quebras janelas e paredes, tentar colocar fogo em um travesseiro, pequenas ações que podem ter grandes consequências, mas que eles não viam o que poderia dar errado ali, era só brincadeira!

O cuidado das crianças acaba sendo dividido entre todos os que moram nos hotéis próximos, mesmo que a responsabilidade maior ficasse com o responsável por cada criança. O trabalho de Bobby era cuidar dos pagamentos, arrumar o que estivesse quebra, intermediar conflitos e fazer os hóspedes cumprirem as regras. Só que ele ia além, estando sempre de olho nas crianças e fazendo o que podia para minimizar qualquer risco que elas corressem.

Assim, as crianças acabavam sendo protegidas de muitas as ações dos adultos. Porém o que não as impediam de acabar sofrendo as consequências. Como quando Halley tem um desentendimento com a mão de Scooty e acaba dificultando qualquer possibilidade de as crianças manterem a amizade, ao mesmo tempo que perdeu uma rede de apoio, já que ambas se ajudavam.

Em um outro momento do filme, vemos uma turista brasileira, aparentemente com uma boa condição financeira, indo para no Hotel por uma confusão na hora de fazer as reservas das diárias. Olhando a situação do hotel e das pessoas que estavam ali, compara o hotel com uma favela brasileira. Guardada as devidas proporções, é possível fazer algumas comparações: os hóspedes aparentemente têm empregos com baixa remuneração ou vivem de bicos; à beira da estrada divide duas realidades, de um lado pessoas lutando para ver, do outro lado pessoas com boas condições financeiras aproveitando parques, lojas de presentes, hotéis de luxo e estabelecimentos bem organizados. Dois mundos coexistindo um ao lado do outro.

Mas parece que as crianças não veem essa diferença como algo ruim, apesar de entenderem bem qual é o seu lugar naquela situação econômica, social e cultura. Se o objetivo dos adultos é permitir que aquelas crianças tenham a inocência preservada, como nos diz a sinopse do filme, bem, estão conseguindo. Dentro do que podem fazem seu melhor e permitem aquelas crianças serem crianças.

Talvez nem tudo que Moonee e seus amigos estão aprendendo nas vivências diárias os permitirão ter condições de crescer e ter uma vida diferente da de seus pais. Mas pelo menos não os é negado o direito de ser criança, de manter suas inocências e ter o mínimo de segurança que seus pais tem condições de oferecer. Estar em situação de vulnerabilidade pode ter limitado a possibilidade de algumas vivências e também permitiu algumas aprendizagens questionáveis. Mas mesmo com pouco Moonee e seus amigos parecem felizes pelo pouco que tem e por terem quem os ame por perto.

O filme nos convida a refletir sobre algumas questões interessantes. Podemos observar o quanto muitas vezes a afetividade é o suficiente para uma criança ter felicidade, mesmo com poucas condições financeiras. Bem como somos confrontados com as situações que a desigualdade social e limitação de oportunidades para uma parcela da população impactam na qualidade de vida de cada um. E o que você tem valorizado? Dinheiro? Presentes? Altas posições sociais? Ou a inocência, o afeto, a felicidade e a simplicidade das pequenas coisas da vida? 

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
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O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas – você está vivendo o tempo presente?

16 de julho de 2021

 

Foto: Amazon Prime Video / O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas / Divulgação.

O que você faria se pudesse reviver o mesmo dia mais de uma vez? No filme “O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas” (2021), Mark e Margaret estão presos em uma anomalia temporal e revivendo o mesmo dia em loop várias vezes. No começo ambos acreditam estarem revivendo o dia sozinhos, até que em um acontecimento em um dos dias Mark percebe que talvez ele não seja o único, o que leva a procurar por Margaret. Juntos começam a tentar entender o que está acontecendo e a procurar as pequenas coisas perfeitas escondidas na cidade durante aquele dia.

Desde que Mark percebeu que estava revivendo o mesmo dia, começou a agir de forma despreocupada e a tentar evitar pequenas situações do dia para tirar proveito próprio. O fato que o levou a conhecer Margaret foi justamente sua tentativa de conquistar uma garota na piscina de um clube. A cada dia que ele revivia, testava e treinava formas diferentes de conquistar a mesma garota naquele momento do dia.

Enquanto isso, Margaret estava tentando aprender a dirigir enquanto buscava por um cachorro perdido na vizinhança. Aprender a dirigir sozinha não lhe aprecia inadequado, já que se batesse em um carro no outro dia haveria tudo voltado a onde estava já que o tempo se repetiria. A sensação de responsabilidade sobre as próprias ações havia sumido por acreditar que a meia noite o dia inteiro iria se desfazer e seria como se nada tivesse realmente acontecido.

O encontro entre os dois levou a criar um novo objetivo, passar os dias repetidos procurando as pequenas coisas perfeitas que aconteceram naquele dia na cidade inteira. Como teriam todo o tempo do mundo, poderiam buscar na cidade inteira e ir apresentando esses momentos um para o outro. Se sentiam, assim, donos do tempo.

O que Mark e Margaret não estavam percebendo é que ao invés de aproveitar o próprio dia, estavam apenas observando o dia passar sem realmente vive-lo. E isso não é um problema vivido apenas por eles. Na sociedade em que vivemos atualmente, onde tudo tem que ser cada dia mais imediato, onde nada pode esperar e tudo é para ontem, as pequenas coisas perfeitas dos nossos dias têm sido engolidas pela necessidade de ser sempre produtivo, estar um passo à frente e viver o dia de amanhã. Ou seja, a sociedade se perdeu sem entender bem como realmente funciona a passagem do tempo, atribuindo expectativas por vezes irrealistas.

O problema é que não temos como viver o dia de ontem, visto que compõe nosso passado, e também não podemos viver o dia de amanhã, visto que ainda não aconteceu. O único momento em que temos como fazer alguma coisa é o hoje, o agora, o presente. Daí fica a reflexão, será que realmente estamos vivendo o dia presente? Bem, se pensarmos na quantidade de pessoas ansiosas e depressivas que vemos hoje, a resposta para maioria seria não, não estamos vivendo o presente.

Com o passado podemos aprender e tirar lições para a vida. Em relação ao futuro nos resta apenas planejar e fazer no momento atual a base necessária para o futuro acontecer. No momento que o futuro se tornar o presente é que teremos o que fazer em relação a ele. Porém, tanto o passado quanto o futuro podem ser assustadores, no passado temos os momentos ruins e os traumas, no futuro temos as incertezas e o encontro com as finitudes da vida, já que nenhum momento é eterno.

Enquanto Mark revivia seu dia acabou aprendendo que “tempo é aquilo que passa e não volta”. O dia estava o convidado a entender o que aconteceu no passado, viver seu presente e encarar seu futuro. Para Margaret não era diferente, o que diferenciava os dois era quais os desafios estavam precisando enfrentar no momento. Procurando as pequenas coisas perfeitas achavam que estavam aproveitando o presente, quando na verdade estavam fugindo daquilo que temiam no futuro, assistindo a vida dos outros como meros expectadores.

O que restava a Mark e Margaret era chegar ao entendimento de que as vezes procuramos fora aquilo que só podemos achar dentro de nós mesmos. Viver o presente é muito mais do que aquilo que nos aconteceu no passado ou que irá acontecer no futuro. O presente é cheio de pequenas coisas perfeitas e de pequenas coisas quebradas. Uns dias serão melhores que os outros e nem sempre o que a gente quer para o futuro vai poder ser como gostaríamos. Viver o presente é se dispor a aproveitas e lidar com todas as pequenas coisas da vida. E não precisa ser só, se precisar de ajuda sempre pode-se recorrer a sua rede de apoio e a profissionais capacitados, quando for o caso.

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Dia do Sim – os desafios dos sins e nãos da parentalidade

9 de julho de 2021

 

Foto: Netflix / Dia do Sim / Divulgação.


Allison e Carlos viviam uma vida baseada no “sim”, sim para novas experiências, novas pessoas, novas vivências. Mas tudo mudou quando vieram os filhos. O “não” passou a ser a nova regra. Atualmente com 3 filhos, a mais velha Katie de 14 anos, o do meio Nando de 11 anos e a caçulinha Ellie, os papéis em casa são bem definidos. Carlos passa o dia no trabalho, e quando está em casa evita a todo custo dizer “não” para os filhos passando a responsabilidade para Allison. Enquanto isso, Alisson busca recolocação profissional compatível com a responsabilidade solo de criar e educar os filhos, mesmo sendo casada e morando com o pai deles. 

O choque de realidade veio quando Allison descobre que os filhos a veem como uma ditadora e, seguindo uma sugestão do orientador escolar, Allison decide instituir o "Dia do Sim". O dia do sim é apresentado a Allison e Carlos como uma forma de repensar o estilo parental do casal. Não é que não existam regras no dia do sim, mas as regras são mais abrangentes e permitem aos filhos terem oportunidade de fazer aquilo que normalmente não podem. Porém, o tão esperado dia tem que ser merecido, com bom comportamento e boas notas no dia a dia. É ao conquistar o direito ao dia do sim que Katie, Nando e Ellie decidem as regras por 24 horas, com direito a decidir a roupa dos pais, o café da manhã, entre outras atividades do dia, e também se separam com as responsabilidades que acompanham o direito de decidir.

O filme “Dia do Sim” (2021) abre espaço para algumas reflexões sobre a parentalidade. Ser pai e ser mãe inclui, entre outros cuidados, o de pôr regras sobre o que é permitido e o que não é permitido dentro do ambiente familiar. É através desses limites que os responsáveis por exercer o papel de cuidado têm oportunidade de passar para os filhos valores, princípios e tradições familiares. Além disso, a família representa uma parcela micro da sociedade, logo é através dela que se inicia o entendimento da criança sobre várias questões envolvidas nas vivências sociais.

Justamente pela importância da parentalidade para o desenvolvimento de pessoas saudáveis e capazes de viver em sociedade que, infelizmente, em diversas culturas, há um julgamento acerca do estilo parental. Julgamentos esses que são reforçados muitas vezes por outras pessoas que exercem a parentalidade e também pelos próprios filhos. Exercer o papel de pai ou mãe infelizmente é esbarrar com uma série de julgamentos sobre como seria o jeito “correto” de se criar filhos.

Não existe um manual de instruções que funcione como uma receita de bolo. Como cada família tem um conjunto de valores, princípios e tradições particulares, o que é visto como positivo para uns pode ser visto como negativo para outros. No filme, quando Allison e Carlos ouvem o conselho do orientador escolar, a ideia de um dia dizendo sim para tudo que os filhos pedem parece fora de cogitação, já que eles veem como a função parental serem os únicos a decidirem regras. Em um segundo momento, o dia do sim só é adotado por Allison ver como uma forma de mudar a visão dos filhos sobre ela enquanto mãe.

Uma percepção que muitas vezes os filhos não têm é que ser adulto é lidar com uma série de limites. Allison e Carlos por entenderem isso estabeleceram muitos limites para os filhos. E quanto mais velhos, mas os filhos têm vontade de testar os limites que os pais colocaram. Acompanhar os filhos testando limites é outra tarefa da parentalidade. É normal os filhos questionarem esses limites, até mesmo por conviverem com outras pessoas da mesma faixa etária que vão ter alguns limites diferentes. No caso do filme, Katie quer ir para uma festa, mas Allison teme que a filha ainda não tenha a maturidade suficiente para ir. E como resolver o impasse? Através de orientação e negociação.

Mas até a orientação e negociação é um desafio, tendo em vista que para cada faixa etária há a necessidade de uma adaptação em como isso vai ser feito. A criança tem demandas diferentes do adolescente. A aceitação do crescimento dos filhos e de que alguns limites precisam ser revistos é um fator modificador do exercício da parentalidade.

Não é fácil exercer a parentalidade! É um processo único e às vezes solitário. A parentalidade solo é uma realidade nas mais diversas configurações familiares. Ser pai ou mãe solo não diz respeito a um estado civil, mas em como é dividido a responsabilidade do cuidar. Em algumas famílias mesmo os pais não tendo relacionamento conjugal e morando em casas separadas o cuidar é compartilhado. Em outras situações, como é o caso da família Torres, existe união cível e conjugal, mas a parentalidade recai sobre uma das partes.

Outro fator que contribui para a vivência da solidão parental é a sociedade cada vez mais preocupada em julgar ao invés de compreender, em competir ao invés cooperar. Trocar experiências sobre o assunto é algo positivo, desde que seja realmente uma troca, com empatia e respeito de todas as partes, algo parecido com o que o orientador procurou fazer com Allison e Carlos, mas que infelizmente pode ter sido uma experiência negativa para o orientador que durante o diálogo foi julgado, mesmo posteriormente a família tendo seguido sua orientação. A parentalidade em si já pode ser cheia de inseguranças e auto julgamentos. 

A visão que os filhos criam dos pais já pode ser bem diferente do que os pais gostariam de passar. Vamos dizer sim para a empatia, por favor, um pouco de compreensão sempre cai bem! E essa compreensão tem que começar no seio da família, com os pais se apoiando e se responsabilizando de forma igualitária pelos filhos. Mesmo que se alcance uma divisão de tarefas e carga mental de cinquenta - cinquenta ainda será pesado, e eles vão precisar de apoio social para se manterem saudáveis e exercerem suas parentalidades, e é aí que entra a rede de apoio, escola, avós, vizinhos, babá, padrinhos todos alinhados para a criação dessas crianças. 

Parentalidades não é apenas dizer "sim" ou "não", apesar disso fazer parte, mas principalmente é sobre ser responsável sobre as consequências dessas falas em todo um processo de desenvolvimento de um ser humano.

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Alyne Farias Moreira, brasiliense do quadradinho, mas refugiada entre a beira do Araguaia e a sombra da Serra Azul. Mãe da Cora Linda, psicóloga, CRP 18/02963, equoterapeuta, professora e palestrante. Apaixonada pelo desenvolvimento humano e por psicanálise. 
Contato: (66) 99224-9686
Instagram: @vir_a_ser_Alyne

Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Amor e Monstros – uma aventura sobre desenvolvimento pessoal e sair da zona de conforto

2 de julho de 2021

 

Foto: Paramount Pictures/ Amor e Monstros / Divulgação.

Em um mundo distópico, onde uma chuva de produtos químicos alterou a vida na terra, transformando insetos e animais pequenos em grandes monstros, Joel Dawson vive a 7 anos em um abrigo subterrâneo junto com outras pessoas. No abrigo, todos tem um par para chamar de seu, menos Joel, que ainda sente falta de Aimee, sua namorada de antes do apocalipse acontecer. Sabendo onde ela está, Joel decide sair em uma viagem impossível na superfície para encontrar novamente com sua amada. Assim começa a jornada do filme “Amor e Monstros” (2020).

Joel é um rapaz dedicado e sensível. Durante seu tempo no abrigo, assumiu a responsabilidade de cozinhar para os outros moradores, já que sempre que via um monstro ficava travado, paralisado sem reação. A tarefa de enfrentar os monstros e ir atrás de comida na superfície ficava a cargo de outros moradores. Permanecer ali se tornou confortável para todos, apesar de terem que estar sempre alertas aos perigos da superfície.

Juntos a 7 anos, os moradores do abrigo se tornaram se uma família, cada um cuidado do outro da maneira que pode. Mas Joel se sentia sozinho por ser aparentemente o único que não tinha um amor por perto. Por sentir falta de Aimee, tentou contato através de um rádio com outros abrigos a procura da amada, chegando a afirmar que falou com 90 abrigos até conseguir finalmente falar com ela de novo. 

Fechado em sua zona de conforto, valorizar aquilo que prendia Joel ao passado parecia mais importante do que valorizar os amigos e a vida do presente. Mas o mundo anterior ao apocalipse não existia mais. A ideia de encontrar com o que ainda lhe sobrava de seu passado atrapalhava-o a aproveitar as pequenas coisas do presente junto a nova família no abrigo.

Após seu abrigo ser invadido por um dos monstros gigantes, Joel decide ir em burca de encontrar Aimee. Pare ele, a invasão foi um atestado de que poderia morrer a qualquer momento sem nunca ter realmente se arriscado para proteger seus amigos ou para reencontrar seu amor. De que valeria ter vivido ali sem nunca ter tido várias experiências que gostaria de ter?

Seus amigos preocupados o avisaram dos perigos da superfície e temiam que ele não fosse capaz de fazer a viagem, já que sempre foi protegido pelos outros, não acreditavam que ele teria as habilidades necessárias para sobreviver. Mas Joel estava decido e seus amigos fizeram um mapa para que ele pudesse andar na superfície. Uma singela demonstração de carinho e afeto, mas que ele não era capaz de perceber por estar focado demais em seu passado.

No primeiro dia de Viagem, Joel é obrigado a confrontar a realidade de sua falta de habilidades ao encontrar com um sapo monstro na piscina de uma casa abandonada. Graças ao cachorro chamado Garoto, Joel consegue se salvar e faz sua primeira amizade na superfície. Além da amizade, ele também faz uma primeira constatação: estar ali sozinho era perigoso e seria necessário estar mais alerta. A companhia de Garoto se torna importante, tanto por questões de sobrevivência quanto como um suporte emocional.

Caminhando pela floresta para chegar em seu destino, Joel tem a oportunidade de sentir novamente algumas sensações que os anos de proteção no abrigo te tiraram, como sentir cheiros, o vento e apreciar a paisagem. Pequenas coisas que muitas vezes não são valorizadas, até que são perdidas e passam a fazer falta.

Após uma parte do percurso, Joel acaba sendo salvo novamente deum grupo de monstros, dessa vez por Clyde Dutton e pela pequena Minnow. A princípio a dupla estranha ele andando sozinho na superfície após deixar seu abrigo. Tanto que o primeiro questionamento foi se ele era um ladrão de comida. Mas deram uma chance para ele, deixando que Joel o acompanhasse por uma parte do caminho. 

Com Clyde e Minnow, Joel teve a oportunidade de aprender habilidades de sobrevivência, como aprender a atirar, se defender, o que comer, como lidar com alguns monstros e que se sobreviver a alguns erros vai conseguir se virar por aí, já que bons instintos se conquistam cometendo alguns erros. Pode também voltar a entender o valor de se criar laços e valorizar quem está perto.

Quando os caminhos se dividiram, Joel e Garoto tiveram a oportunidade de testar o que aprenderam com Clyde e Minnow, cometeram alguns erros e aparentemente se saíram bem. A decisão de Joel de sair do abrigo lhe deu a oportunidade de se conhecer melhor, se desenvolver e aprender a se defender sozinho. Foi a jornada para encontrar Aimee que lhe permitiu sair da zona de conforto, tomar as próprias decisões e desenvolver habilidades de vida no mundo pós-apocalíptico em que se encontrava.

Sair da zona de conforto pode gerar insegurança, mas é fora da zona de conforto que temos oportunidade de aprender coisas novas e descobrir nossos potenciais e limites. Podemos aprender com os próprios erros, ao mesmo tempo que temos como aprender com os erros dos outros e com as dicas que são nos passadas. Cabe a nós saber filtrar as informações para que sejam aproveitadas de acordo com as nossas vivências. 

O medo de se arriscar fora da zona de conforto limita nossas experiências e pode atrapalhar que desenvolvamos algumas habilidades de vida importantes. Algumas vezes teremos oportunidades de tem alguém para nos guiar. Contudo, em outros momentos será necessário fazer adaptações e criar novas estratégias de enfrentamento para aquilo que não temos uma informação prévia. Por isso, os erros são grandes fontes de aprendizado, principalmente se aprendermos a não cometer os mesmos erros.

Joel teve a oportunidade de ter lições valiosas em sua caminha em termos de autoconhecimento. Também pode aprender que às vezes é preciso se arriscar para perceber o que realmente se quer e quem realmente é importante. Joel correu o risco de se decepcionar com o que iria encontrar quando atingisse seu objetivo final. Independentemente disso, foi sair da zona de conforto que expandiu seus horizontes. E se Joel conseguiu se permitir viver uma nova aventura e ampliar os horizontes, qualquer um consegue!

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
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Depois a Louca Sou Eu – um relato sobre conviver com a ansiedade

25 de junho de 2021

 

Foto: Paris Filmes / Downtown Filmes / Depois a Louca Sou Eu / Divulgação.

Em “Depois a Louca Sou Eu” (2021), escutamos o relato de Dani, uma mulher por volta de seus 30 anos que nos conta sobre sua vida convivendo com a ansiedade. E seu relato começa com ela tentando lembrar quando foi a primeira vez que teve um ataque de pânico: Seria na infância? Na adolescência? Ou foi em alguma das ocasiões da vida adulta? Bem, talvez esse nem seja o ponto mais importante. Assim, passamos pelo filme como expectadores da experiência de Dani convivendo com sua ansiedade.

Bem, é necessário começar ressaltando que a vivência do transtorno de ansiedade é particular. Cada pessoa ansiosa pode passar por isso de formas diferentes, mesmo apresentando sintomas semelhantes, e ter os próprios mecanismos para lidar com o que causa sofrimento. No caso de Dani, ela já recorreu a várias alternativas de tratamento diferentes, desde o convencional, acompanhamento psiquiátrico e psicológico, até tratamentos complementares e alternativos. Mas pouco percebe de eficácia desses tratamentos em sua vida.

Na infância, sua mãe chegou a leva-la a uma rezadeira, na tentativa de curar a filha do medo de tudo que ela tinha. No final o “diagnóstico” que recebeu na reunião de reza foi de que Dani sofria com tristeza. Claro que para Dani não poderia ser isso, era só medo de dormir, o que Dani enquanto adulta acredita que era algo normal para uma criança naquela idade. Porém, a angústia na hora de dormir é um sintoma comum em muitas pessoas ansiosas não só na infância.

Mas, o que Dani sentia não era apenas medo de dormir. Aparentemente tinha algumas fobias, como medo de barata. E durante a vida, até chegar na fase adulta, os medos só foram aumentando, como medo de algo acontecer, de se relacionar, de alguém querido morrer, da própria morte, de passar mal, de andar de avião, de que não gostem dela, de ser sempre vista como a pessoa que é “uma figura”, ansiedade em ficar doente e por aí vai... A abrangência de seus receios não parece ter limite, estando sempre apresentando uma ansiedade generalizada.

Sua preocupação em ter sempre um plano de fuga a atrapalha a aproveitar os momentos que vive, até mesmo porque acredita que não pode sentir demais, nem felicidade demais, nem tristeza ou mesmo paixão. Dani acredita que precisa estar sempre no controle de suas emoções e de suas reações, enquanto por dentro está surtando, querendo sair correndo e cheia de pensamentos de insegurança e pessimismo.

Na luta para manter o controle, acabou tendo dificuldade de se relacionar romanticamente com vários de seus namorados e o que se permitiu sentir bem com o relacionamento acabou levando um fora. A dificuldade de Dani em estabelecer critérios para escolher um interesse amoroso e o quanto pode ou não aprofundara relação com alguém também não ajudou muito com isso. Por fim, Dani tem medo de criar vínculos de intimidade e isso se reflete nos diversos relacionamentos que já teve.

Para completar, a mãe de Dani também tem uma série de expectativa em relação a filha. Além de superprotetora, se mostra emocionalmente dependente da relação com a filha, mas sempre se oferecendo como seu porto seguro, principalmente durante os ataques de pânico. Com isso, as vezes chega a tomar a frente por ela na resolução dos problemas da filha, o que de certa forma servia para alimentar os sintomas uma da outra.

Se na vida pessoal Dani vive se esquivando de criar vínculos de relacionamento, na vida profissional está lutando para atingir seu sonho de virar escritora. Sua carreira passa de publicitária a roteirista de novela e a forma que encontra para lidar com isso é tomando Rivotril. 

A medicação começa tendo a função em sua vida de controlar os sintomas desagradáveis relacionados ao trabalho. Como qualquer medicação, tem seus efeitos colaterais no uso prolongado e Dani faz o uso como uma muleta para dar conta daquilo que ela não consegue enfrentar sóbria. Logo, passa a ser o medicamento para toda hora, fazendo abuso da medicação, descumprindo a recomendação médica sobre a dosagem. Com isso, os sintomas adversos vão aparecendo e se intensificando. 

Assim, a venlafaxina entra como uma segunda medicação combinada, receitada para diminuir sua ansiedade. Mas também tem seus efeitos colaterais desagradáveis e um tempo de uso antes de começar a sentir os efeitos positivos. Por consequência, se sente anestesiada na vida e sem se sentir si mesma.

Nas várias terapias que já tentou, muitas indicadas por alguém, não conseguiu se encontrar. Para cada terapeuta via um defeito, não conseguiu criar um vínculo. Aparentemente, sua expectativa em relação a terapia era uma cura para sua ansiedade. As diversas técnicas que tentou e os encontros com os terapeutas não foram capazes de fazer ela se permitisse se abrir e realmente contar seus mais íntimos sentimentos. Encontrar um terapeuta que consiga criar um vínculo de confiança pode ser desafiador. E é no momento em que ocorrer o encontro com esse profissional que Dani vai ser capaz de colocar para fora o que tem reprimido e guardado para si.

Conviver com a ansiedade nada mais é do que aprender a lidar com aquilo que se tem dificuldade, de se aceitar enquanto uma pessoa em construção e estar disposta a desenvolver habilidades mais funcionais para se viver. Alguns dias vão ser melhores que os outros, algumas pessoas vão ser mais compreensivas que outras e haverá momentos em que precisará enfrentar ao invés de se esquivar. 

O uso de medicação em alguns casos é necessário para aliviar os sintomas desagradáveis, enquanto se trabalha o autoconhecimento e se constrói habilidades de enfrentamento para os problemas. A terapia é uma ferramenta para se atingir esses objetivos, basta procurar um terapeuta que você se identifique e que você se permita criar vínculo. 

Conviver com a ansiedade pode ser desafiador, mas não te impede de ir atrás de seus sonhos, nem de criar relacionamentos saudáveis! É tudo uma questão de como você vai lidar com essa explosão de sentimentos e com as próprias inseguranças. Se dê uma chance de viver o momento, afinal, aonde uns veem loucura, outros veem uma pessoa tentando seu melhor para ser feliz!

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Sheila Francisca Machado reside em Brasília, é psicóloga clínica, especialista em psicologia clínica e especializada em avaliação psicológica, CRP 01/16880. Atende adolescentes e adultos na Clínica de Nutrição e Psicologia - CLINUP. Atua com a abordagem Análise do Comportamento.
Contato: sheila_machado_@hotmail.com
Clínica Clinupclinup.blogspot.com
Instagram@empqnasdoses
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